Em primeiro lugar, gostaria de manifestar a minha alegria de estar aqui e ver esta turma se graduando. Nós começamos juntos no Unibero, entraram no mesmo semestre que eu, e tivemos aulas juntos em seis dos oito semestres que ficaram aqui. Um longo período onde efetivamente se constata que mudaram, cresceram intelectualmente, adotaram novas idéias, desenvolveram novas idéias. Nesta intensa convivência, nem sempre pacífica, desenvolvemos um conhecimento mútuo que permitiria que fizesse aqui não apenas o discurso do professor sobre a posição do formando diante da vida; mas também assumisse a posição do aluno e contasse como foram estes anos. O saldo da passagem de vocês por aqui é grande. Não inventaram as simulações das Nações Unidas no Unibero, mas as simulações têm a cara deles, obrigaram os professores a participar e permitiram cenas impagáveis com o professor Hage. É uma questão da teoria das relações internacionais o debate entre realistas e liberais, mas foram eles que colocaram esta questão na boca dos alunos ao discutirem a OMC e o papel das organizações internacionais em geral, e novamente obrigaram que o professor Marcelo e eu debatêssemos exaustivamente o tema. O NERI existia antes deles, mas nunca tantos alunos de uma mesma turma passaram por lá e nunca o Neri foi tão freqüentando pelos alunos. É a turma que colocará mais alunos no mestrado, é a turma que tem aluna que ganha até prêmio da União Européia por texto elaborado a partir do TCC. Estiveram sempre abertos à diferentes forma de avaliações, seminários roleta-russa, lista de discussão, provas, controles de leitura, etc. Colaboraram enfim para que o curso melhorasse.
Todo aluno que procura o curso de relações internacionais é porque é em alguma medida, idealista, mesmo que hoje negue de forma veemente que o tenha sido. Quem ingressou no curso de relações internacionais em 2003 certamente estava pensando na questão do terrorismo, no Iraque, no Afeganistão e em como estes conflitos poderiam ser solucionados, como alcançar a paz.
Quando o curso se inicia o aluno se coloca dois problemas a paz e o trabalho. A primeira pergunta que fará será sobre as causas da guerra e como promover a paz. A outra pergunta existencialmente fundamental é sobre o mercado de trabalho para graduados em relações internacionais. E diante das respostas, o idealismo do ingressante começa a ser transformado. A primeira disciplina que tivemos juntos foi Introdução à economia, onde eu contei algumas das péssimas piadas do meu professor de economia. E uma delas era, a vantagem de se estudar economia é saber por que se está desempregado. Nem esta vantagem os formandos de relações internacionais podem ter, a pergunta que os martiriza é porque eu fiz um curso tão bom, tão interessante e não encontro de imediato emprego no mesmo nível do meu curso. É uma pergunta pertinente e o problema está na pergunta que os profissionais de relações internacionais são capazes de responder, a mesma que motivaram os jovens idealistas a ingressar no curso. Os alunos entraram perguntando sobre como promover a paz, e os professores responderam sobre as causas da persistência da guerra e sobre a insuficiência dos projetos idealistas para a construção da paz. O resultado é que alunos otimistas foram se transformando gradativamente em alunos críticos para na seqüência incorporem o espírito realista da disciplina e se tornarem pelo menos um pouquinho pessimistas. A maior parte dos alunos abandona o otimismo idealista. E isto tem conseqüências diretas para a posição dos bacharéis em relações internacionais no mercado de trabalho.
As sociedades se perguntam como acabar com a guerra e nós respondemos com as razões pelas quais as guerras persistirão. Os profissionais de relações internacionais são diferenciados porque eles não vendem ilusões, vendem a desilusão, ele mostra a crueza de uma realidade onde o que vale é a força e o poder. E que sempre que se ignora isto em nome dos gritos idealistas da paz, o som que se ouve depois são gritos de morte da guerra. Num mundo onde uma frase começa com “Em nome de Alá, o clemente, o misericordioso” e termina com uma explosão e corpos despedaçados, cabe ao profissional de relações internacionais desmascarar as soluções simplistas tão arraigadas que fazem com que muitos pensem que a paz é mera questão de vontade. É cruel uma atividade que desvela a hipocrisia organizada das leis no sistema internacional, leis que se aplicam apenas aos fracos. É cruel chegar à conclusão que o aumento das bombas atômicas no mundo estimula a paz e não a guerra. Num mundo que cultiva a alienação e a ilusão, a recusa em ver a realidade em toda sua dureza, os profissionais de relações internacionais não serão bem-vistos. Em qualquer análise, teórica ou em relação a fatos, o objetivos é identificar problemas e insuficiências. Não é fácil encontrar alguém que lhe pague para dizer porque as boas idéias dele irão fracassar. Muitos de vocês incorporaram excessivamente o espírito do curso, tornaram-se críticos demais, mas isto significa que alcançaram o principal objetivo que se pode almejar em um curso universitário, aprenderam a pensar. E porque aprenderam a pensar não são prisioneiros do que aprenderam. Quem se forma em cursos muito práticos é prisioneiro do que aprendeu, não consegue transitar entre diferentes posições no mercado de trabalho, exercer atividades diferentes. Não é o caso de vocês estão prontos para serem analistas de relações internacionais, mas também estão aptos para não serem analistas em relações internacionais. E isto é fundamental, pois o mercado de trabalho é mutável, é impossível encontrar um curso que lhe garanta um emprego, é preciso de um curso que lhe garanta empregos, tenha flexibilidade. Então o mais importante que vocês levarão daqui é o conhecimento que cada um de vocês produziu, este é um conhecimento não-instrumental, mas é o que permite fazer escolhas profissionais e de vida, é o conhecimento que não lhe transforma numa máquina.
A faculdade é o espaço do pensamento e das ações concretas sim, mas não do pensamento instrumental, do conhecimento instrumental. O conhecimento não deve estar a serviço de um objetivo, mesmo que este seja a melhor inserção do aluno no mercado de trabalho. O conhecimento não é útil e também não é um conjunto de informações que possa ser transmitido ao aluno. O conhecimento é um processo, o conhecimento é uma construção, fruto da ação individual de cada aluno. A faculdade deve ser o espaço do questionamento, da indagação sobre si mesmo e sobre o mundo, um processo concreto de construção da sua identidade e da sua visão de mundo. Em última instância o conhecimento é sempre individual, uma conquista do indivíduo, que é comungada com seus pares. Mas isso não é a permanente reinvenção da roda, mas sim a luta pelo permanente aperfeiçoamento daquela. Mas esta é uma atitude que só é possível se não nos conformamos com o mundo em que vivemos, somente se alimentarmos permanentemente o desejo de mudar é que poderemos pensar autonomamente. Como diz Maza Zavala, um teórico da dependência venezuelano, “Utopia é a aventura do pensamento em todas as épocas; utopia é a audácia da imaginação que conduz algumas vezes a descobrir a estrutura atômica da matéria e a energia, e outras, a subverter a ordem social para que o homem desfrute de uma trégua em sua carga de penúria e possa romper com seu grito a muralha de silêncio que a velha ordem levantou para oprimi-lo; utopia é o projeto de futuro que vai se formando nas entranhas da insatisfação acumulada, que emerge nas crises, que sobrevive nas agonias de cada conjuntura histórica e termina por impor-se ao que se acreditava duradouro e intocável. A ciência nasce da utopia e morre com a resignação, nasce da luta e morre com a inanição, nasce com a crítica e morre com o dogma. (…) Reproduzir simplesmente a realidade; além de tarefa impossível, é cientificamente estéril. Em lugar de reproduzir há que interpretar e transformar, há que recriar, há que fazer o mundo cada dia, e disto se trata na Universidade.
“É por isso que a norma de conduta universitária que consiste em estudar e lutar deve interpretar-se como expressão de uma atitude única, sem possibilidade de ruptura. O estudo é luta e a luta é estudo. Se luta pela verdade, para a verdade, com a verdade, e o estudo é o caminho à verdade. Estudar e lutar são expressões da tarefa universitária nos planos superiores da formação da consciência e da ciência. A luta é atividade criadora, não gritaria inútil, nem desplante estéril”[1].
Isto significa que mesmo quando estamos desenvolvendo uma crítica aos idealismos, estamos ao mesmo tempo construindo a nossa própria utopia e o nosso projeto de mundo. Significa, portanto, que partir do pessimismo para pensar, partir da guerra e não da paz, não implica negar a possibilidade de que o mundo possa vir a ser diferente do que é hoje. Devemos conservar um realismo utópico, um otimismo trágico, porque como diz a economista Joan Robinson se os pessimistas acreditassem realmente no que dizem não teriam razão para dizê-lo. Se as catástrofes são anunciadas é para que sejam evitadas. Somos realistas e podemos ser otimistas, porque reconhecemos que a paz pode ser erigida sobre a guerra sem a necessidade de fundamentá-la em mitos sobre quanto o homem é bom. Se compreendemos assim a questão da guerra, entendemos também que os mesmos princípios devem pautar a solução dos problemas do comércio internacional, do meio ambiente, das migrações, etc. Onde também as propostas de solução do conflito não pode desconhecer que alguém ganha com o conflito.
É preciso reconhecer que no que respeita à construção do conhecimento, vocês foram vitoriosos, conseguiram aprender a pensar. Como diz um psicanalista vienense “grande parte do aprendizado não é uma experiência agradável, mas um trabalho árduo.” Isto porque estudar não é apenas ler e memorizar, é refletir, é pensar, pensar o pensamento do outro para que seja capaz de pensar o seu próprio pensamento. Não é uma atividade trivial. E de fato aprender a pensar é a maior conquista que se pode obter com um curso superior. E é por ser o pensar, o maior fruto que vocês levarão daqui, que vocês levarão um pouco de cada um dos professores, na forma de pensar, nas questões fazem aos textos e aos autores. Goste eu ou não, o primeiro ponto de partida de vocês para pensar foi, o que o Corival ou outro professor considera importante neste texto e repetiram por quase todos os semestres durante quatro anos, e no último ano, se depararam com o dilema de ler o texto e identificar o que era importante para vocês, para o texto de vocês, e isso foi uma tortura. E se vocês estão aqui hoje é porque mesmo que em graus diferentes foram capazes de pensar. E é isso que garante que sempre haverá uma abertura para vocês no mercado de trabalho. Isso não quer dizer que vocês devem se acalmar, ao contrário vocês devem cultivar uma angústia permanente, uma inquietação permanente que impeça que vocês se incorporem à massa, e comportem-se como manada. Não se anulem, aqui vocês se desenvolveram enquanto indivíduos, adquiriram espírito crítico, alguns se tornaram muito chatos. Este era o objetivo, não voltem atrás, não desistam de pensar, pensem cada vez mais.
Viver a vida intensamente é também conhecê-la profundamente, conhecer e viver as paixões humanas que fazem este mundo se mover rumo ao progresso ou à barbárie. Mas infelizmente o conformismo predomina na sociedade contemporânea, é senso comum dizer que as utopias morreram, esquecem que somos nós, homens e mulheres, que criam as utopias, e portanto se estamos realmente vivos e abertos para a vida ainda há utopias para serem vividas, pensamentos para serem pensados. Não há razão para aceitarmos o que temos a não ser pela mediocridade que domina as pessoas em todo o mundo, mediocridade que se prolifera porque os indivíduos renunciam a viver a vida enquanto indivíduo para vivê-la enquanto massa, uma vida sem especificidades, sem criatividade. A vida de todos é a mesma coisa, sempre a mesma repetição. Cultura de massa, ensino de massa, vida de massa. Mediocridade e medo são as marcas da sociedade contemporânea, mas ao mesmo tempo cada pessoa (não indivíduo) em particular e a sociedade em geral temem reconhecer a mediocridade na qual estão submersos para não terem que abandonar o marasmo no qual suas existências foram jogadas. Espero que do mesmo modo que a presença de vocês nesta instituição serviu para demandar dos professores, para intensificar as atividades, vocês façam o mesmo agora no seu ambiente profissional e também na vida pessoal. Que não sejam empurrados pela manada, não sejam controlados pela burocracia, não se submetam à inércia das instituições e do país, façam com que se movam. Espero que não abandonem os seus sonhos diante dos conselhos (inclusive meus) que dizem que eles são impossíveis, planeje, estabeleça objetivos e metas para a realização dos seus sonhos. Nunca sabemos o tamanho do sonho e nem o nosso, apenas quando tomamos ações concretas para realização do sonho conhecemos o nosso tamanho e o tamanho do sonho e aí que podemos avaliar se vale ou não a pena se dedicar a ele. Sonhe, mas não transforme o seu sonho em obsessão, saiba reconhecer quando é hora de mudar os objetivos. Especialmente não idealize o que é trabalhar na área de relações internacionais, não imagine que trabalhar com relações internacionais seja apenas trabalhar com as grandes questões envolvendo conflitos entre os Estados. Utilizem o realismo utópico ou o otimismo trágico também para se autocriticar e avaliar o seu projeto de vida.
No Brasil, como gosta de ressaltar o professor Hage, poucos pensam o Brasil, poucos pensam o interesse nacional brasileiro e o futuro do país. Ao pensar o seu projeto de vida não se esqueça de colocar o Brasil, inclua o Brasil na sua utopia pessoal. Pense, mesmo que pareça desnecessário, sobre como as suas ações influem sobre o Brasil.
As relações internacionais podem derrubar ilusões, promover a desilusão. Mas não promovem o desencantamento do mundo. Espalhem por aí o encanto que vocês trouxeram ao nosso curso de relações internacionais. Com isso vocês também estarão tornando o mundo melhor.
Por fim, mas não menos importante, vocês agora passam da condição de graduandos para graduados, e passam da condição de alunos, não apenas para a condição de ex-alunos, mas para a de amigos. Mas eu sou egoísta, gostaria de tê-los aqui por perto por mais tempo. Como não é possível, vão, conquistem o mundo, conquistem seus sonhos e assim certamente estarei realizando uma parte dos meus sonhos.
Parabéns a todos.
Obrigado.
Um comentário:
Pois é professor ...
São pessoas que como vc me ensinaram o que é ser um "ser pensante, não manipulado e adicionado a manada" ...
Parabéns pelo discurso que mais uma vez foi brilhante ...
Só espero que eu ... como todos os meus amigos que estiveram na colação, mesmo que ela não tenha sido da minha sala, possa responder a confiança de vc e de todos os professores que por ai passaram ...
Muito obrigado por vc ser do que jeito que é ...
Chato, "pegador de pé", mas sobretudo AMIGO.
Cada vez mais seu fã ...
João Dale Nogare Neto
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