"Desde mi punto de vista –y esto puede ser algo profético y paradójico a la vez– Estados Unidos está mucho peor que América Latina. Porque Estados Unidos tiene una solución, pero en mi opinión, es una mala solución, tanto para ellos como para el mundo en general. En cambio, en América Latina no hay soluciones, sólo problemas; pero por más doloroso que sea, es mejor tener problemas que tener una mala solución para el futuro de la historia."

Ignácio Ellacuría


O que iremos fazer hoje, Cérebro?
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sábado, 4 de julho de 2009

O poder da não-decisão

Relendo minhas notas de leitura cheguei em “Power and Poverty: theory and practice” de Bachrach e Baratz. A primeira vez que li uma parte deste livro foi na graduação, em Teoria Política Contemporânea, no meio de uma penca de textos. Devemos ter estudado em um semestre uns 20 autores, se não for mais, e consequentemente com igual quantidade de textos. As aulas foram todas em sistema de seminários. Eu apresentei a obra de Vilfredo Pareto sobre as elites, foi uma das primeiras apresentações, gostei do resultado na época. Na prova/trabalho escrevi 21 páginas manuscritas, bem acima do limite estabelecido, o trabalho foi sobre Gramsci, agora não lembro mais se todo mundo tinha que fazer sobre Gramsci ou se era possível escolher. Provavelmente todos fizeram sobre Gramsci, porque não gosto de Gramsci hoje e não me lembro de ter gostado da obra dele algum dia. Além de Gramsci, Pareto, também teve Weber. No dia, que o grupo de Weber apresentou, houve uma polêmica entre o professor e um aluno. Tinha um colega, que ou tinha uma memória prodigiosa, invejável, ou se preparava na véspera com as informações mais minuciosas para tentar constranger os outros. Neste dia o texto tratava da tese weberiana sobre as afinidades eletivas entre o capitalismo e o protestantismo. E aí ele começou a enumerar as regiões católicas da Alemanha para discutir com o professor a tese. O professor não estava preparado para aquele debate, não era historiador. A situação mais vexatória que este colega colocou alguém foi quando da guerra entre o Peru e o Equador e o embaixador do Equador foi na UnB fazer uma palestra, o cara começou a falar sobre os conflitos na região desde o período colonial como preâmbulo da questão, falando sobre uma série de minúcias das relações historicamente conflituosas entre Peru e Equador. Em dado momento o embaixador disse que eles poderiam trocar de lugar, que ele deveria fazer a palestra. Estudamos também nesta disciplina Robert Nozick e John Rawls. Nozick é uma espécie de anarquista liberal. Lembro da minha total insatisfação com a teoria de Rawls baseada no véu da ignorância. Dois colegas tiveram que fazer a apresentação do debate sobre a teoria do Estado entre Ralph Miliband e Nicos Poulantzas. Foi engraçado, ao invés de apresentar cada texto, eles fizeram um teatro, um diálogo entre os dois autores. Tivemos que ler também Hayek e Habermas. Habermas é principal filósofo da segunda metade do século XX, mas é muito difícil, tortuoso. Outro autor que lemos foi Claus Offe. Sinto falta de poder ler mais sobre teoria do Estado. E claro lemos Robert Dahl, e Bachrach e Baratz que é uma crítica ao Robert Dahl. Bachrach e Baratz tratam do poder da não-decisão. Lemos na época o primeiro capítulo “Two faces of power”, quando fui para Unicamp li o livro todo e é desta segunda leitura que tenho as notas em mãos. Sem dúvida se tratam de autores menores, mas desde que li esta explicitação do poder da não-decisão, não me canso de identificar a importância do conceito. Os Democratas (PFL) no Brasil, seja na versão Bornhausen, ACM, Marco Maciel, possuem apenas poder de não-decisão, são incapazes de apresentar um projeto de poder afirmativa, apenas conseguem impedir a mudança. A mesma coisa o PMDB, o PMDB tem poder pela sua capacidade de impedir, de travar a tomada de decisão. São forças políticas incapazes de impor sua vontade, mas capazes de impedir que outras decisões sejam tomadas. Os EUA fazem crescentemente uso do poder da não decisão. Não conseguem impor sua agenda, mas impedem qualquer mudança. E o poder da não-decisão acaba sendo mais importante que o poder de veto.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Intelectuais brasileiros

O mundo intelectual brasileira é cheio de picuinha. A quantidade de picuinhas é inversamente proporcional à qualidade intelectual. Então se vc faz parte de um determinado grupo, você exclui das suas leituras quem não faz dele. Cita os amigos e ignora o resto. Mas o que não falta no Brasil é sumidade intelectual, gente para dizer que iniciou uma nova corrente teórica.

Mas alguns tem mais idiossincrasias que os outros. O Bresser Pereira é um deles. De fato, Bresser é um administrador, porque estudou administração e porque trabalhava no Pão de Açúcar. E boa parte dos livros dele foram publicados por isso, ele tinha dinheiro. E conseguiu criar uma entourage pela mesma razão. Mas a maior parte dos grupos intelectuais ridicularizam o Bresser pela simplicidade da sua obra e por querer atirar para todo lado. Na Unicamp, todo mundo falava mal. Estes dias recomendei um livro ORGANIZADO pelo Bresser “Sociedade e Estado em Transformação” e logo recebi um a resposta, “Bresser hein? não te reconheço”. E respondi “ o livro é ORGANIZADO pelo Bresser, não escrito.” O Bresser também já foi ministro de tudo, da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado (o famigerado MARE), da Ciência e Tecnologia. Duro saber onde o estrago foi maior. Mas a pior concepção teórica certamente foi a adotada no MARE, a criatura teve a coragem de escrever no Plano Diretor da Reforma do Estado, que era preciso reduzir os salários mais baixos do setor público porque eram mais altos que os do setor privado e que era preciso aumentar os salários mais alto do setor público porque eram mais baixos do que os do setor privado. Ou seja, é preciso reduzir o salário da telefonista que trabalha para o governo porque ela ganha mais do que uma telefonista que trabalha para uma empresa privada. Mas o salário do ministro, do secretário executivo do ministério deve ser aumentado porque eles ganham abaixo do que ganhariam no setor privado numa função equivalente. Ou seja, a idéia era aumentar a desigualdade de renda no setor público, e o pior era apresentar esta idéia como moderna.

Mas o mais pitoresco no Bresser Pereira é que se os outros não o reconhecem como grande intelectual ele mesmo faz o trabalho. Já contei aqui do seminário promovido por ele para tratar de três gerações de economistas brasileiros, Celso Furtado, Ignácio Rangel e Bresser Pereira. Não há parâmetro de comparação entre o Bresser e os outros dois. Furtado e Rangel são maiores, muito maiores do que o Bresser.

O Bresser fez mais. Na década de 80, ele escreveu um artigo sobre sete interpretações sobre o Brasil. Ele se colocou como o fundador de uma delas junto com outros intelectuais respeitáveis na época como FHC. A questão era mostrar como ele estava na vanguarda. Na década de 90, ele reescreveu o artigo. Agora eram 9 correntes de interpretação do Brasil, além da anterior, agora ele tinha fundado mais uma corrente teórica que tinha visão moderna e atualizada sobre o Estado e o desenvolvimento e que seria a concepção intelectual predominante no governo FHC. De novo ele se coloca como ponta de lança intelectual do grupo, e coloca dentro do mesmo grupo outros intelectuais mais celebrados. Hoje ele deveria reescrever o artigo e incluir uma décima corrente também fundada por ele, porque ele já virou oposição ao governo FHC depois de ter sido ministro do MARE e da Ciência e Tecnologia.

Outra teoria da qual Bresser tenta se apossar é da teoria da inflação inercial. Na década de 80 a teoria da inflação inercial ficou famosa no mundo, há controvérsia sobre sua originalidade. mas de fato foi considerada uma “criação” brasileira da PUC-Rio em duas versões distintas a de André Lara Resende e Pérsio Arida e versão de Francisco Lopes. O Bresser se esforça para se colocar também como pai da inflação inercial, escreve também dizendo isso. Nunca li em nenhuma outra obra sobre a contribuição do Bresser para a teoria da inflação inercial, só no próprio Bresser.

Também colocou na sua biografia um livro intitulado “Os tempos heróicos de Collor e Zélia”, onde faz a apologia dos dois. Mas quanto ao governo Collor pelo menos ele não se queimou sozinho. Fernando Sabino com “Zélia, uma paixão”, Luís Nassif com seus artigos na Folha, e Antônio Kandir com a atuação no Ministério da Economia lhe prestaram solidariedade.

Jornalistas precisam de diploma? Não!

O Everton me cobrou dois posts. Um sobre o Bresser e outro sobre a decisão do supremo sobre o diploma de jornalista. Para ser jornalista é preciso de diploma de jornalismo? A resposta é simples, não. Para ser economista é preciso diploma de economia? Não. Para ser advogado é preciso diploma de direito? Não. Não deveria ser preciso diploma para a maioria das profissões. É um equívoco a regulamentação das profissões no Brasil. Por exemplo, uma das grandes bobagens cultivadas por alguns recém egressos dos cursos de relações internacionais é a regulamentação da profissão. Fora a insegurança típica do início da vida profissional, só interesses nefastos justificam a regulamentação da profissão sem nome de bacharel em relações internacionais. Também só a ignorância explica o uso do termo internacionalista para quem se forma em relações internacionais. Em geral as duas bobagens vêm acompanhadas. Se em relações internacionais não faz o menor sentido a regulamentação da profissão, só pioraria a situação. É fácil perceber isso no campo das relações internacionais, mas e nas outras áreas?

Nas outras áreas o cenário não é distinto. Há alguma razão para regulamentação da profissão de administrador? Alguém precisa ter cursado administração para exercer as funções de administrador? É óbvio que não. A regulamentação só gera renda para o Conselho de administração sem que resulte em benefícios para o graduado em administração, primeiro porque há milhares, segundo porque o engenheiro, o economista, o bacharel em relações internacionais, ou o bacharel em letras, ou em música ou em qualquer outra coisa poderá exercer as funções de administrador. Para ser economista tem que saber economia, para ser jornalista tem que saber investigar e escrever, para ser sociólogo tem que saber sociologia. Não importa onde se aprendeu economia, jornalismo, e sociologia. Pode ter sido no mestrado, na graduação, ou de forma autodidata. A regulamentação das profissões reflete o atraso do Brasil e nossa tradição cartorial. Esta aí um caso onde a visão liberal é a mais adequada. A OAB é um marco no atraso brasileiro. Do mesmo jeito que caiu a obrigatoriedade de diploma no jornalismo deve cair a obrigatoriedade na maior parte das áreas, inclusive direito. E no caso do jeito deve vir acompanhada de um enfraquecimento institucional da OAB. É preciso liberalizar.

Com relação especificamente ao jornalismo, na prática a lei já não era respeitada pela grande mídia. A Folha de São Paulo, por exemplo, há anos contrata pessoas formadas em qualquer curso, já tive alunos de ri que pensaram em se inscrever no curso da Folha para trabalhar lá. As redes de TV de um modo geral têm interesse na decisão, isso facilitará colocar, por exemplo, ex-BBBs como repórteres no Fantástico, na Ana Maria Braga, etc. Ou seja, não foi pelas razões positivas que a Globo comemorou a decisão, mas pelos desvios. Isso também permitirá um achatamento salarial ainda maior no jornalismo. A desregulamentação apenas do jornalismo representa um problema para os graduados em jornalismo e para os profissionais do jornalismo pelo uso que as empresas farão neste momento. Mas a desregulamentação em si é positiva. E deveria haver um política geral de desregulamentação.

Óbvio que num país como o Brasil não se pode desregulamentar, por exemplo, engenharia. Porque um monte de gente que não sabe nada irá se arrogar o direito de construir prédios. Mas no mundo perfeito seria desregulamentada. Do mesmo modo, a psicologia, num mundo ideal seria uma profissão a ser desregulamentada. Mas no Brasil vigora um pensamento anti-científico, as pessoas consideram mais crível as bobagens da nova era do que os conhecimentos científicos. Então são suscetíveis a toda forma de charlatanismo, manipulação, portanto desregulamentar a psicologia poderia ser um desastre. E isso mesmo considerando que muitos psicólogos hoje estão significativamente distantes do pensamento científico.