"Desde mi punto de vista –y esto puede ser algo profético y paradójico a la vez– Estados Unidos está mucho peor que América Latina. Porque Estados Unidos tiene una solución, pero en mi opinión, es una mala solución, tanto para ellos como para el mundo en general. En cambio, en América Latina no hay soluciones, sólo problemas; pero por más doloroso que sea, es mejor tener problemas que tener una mala solución para el futuro de la historia."

Ignácio Ellacuría


O que iremos fazer hoje, Cérebro?
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sábado, 21 de novembro de 2009

“Eu queria ser feliz, mas não sei como”: citações

“Ter esperança significa estar pronto a todo momento para aquilo que ainda não nasceu e todavia não se desesperar se não ocorrer nascimento algum durante nossa existência. Não faz sentido esperar pelo que já existe ou pelo que não pode ser. Aqueles cuja esperança é fraca decidem pelo conforto ou pela violência; aqueles cuja esperança é forte vêem e apreciam todos os sinais da nova vida e estão prontos a todo instante para ajudar no nascimento daquilo que está pronto para nascer.” Erich Fromm

“A história do mundo não é o teatro da felicidade; os períodos felizes são suas páginas em branco” Hegel

“Amor, trabalho e conhecimento são as fontes de nossa vida. Deveriam também governá-las”. Wilhelm Reich

“todo o grande homem foi outrora um Zé Ninguém que desenvolveu apenas uma outra qualidade: a de reconhecer as áreas em que havia limitações e estreiteza no seu modo de pensar e agir. Através de qualquer tarefa que o apaixonasse, aprendeu a sentir cada vez melhor aquilo em que a sua pequenez e mediocridade ameaçavam a sua felicidade. O grande homem é, pois, aquele que reconhece quando e em que é pequeno. O homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pequenez e teme reconhecê-la; que procura mascarar a sua tacanhez e estreiteza de vistas com ilusões de força e grandeza, força e grandeza alheias. Que se orgulha dos seus grandes generais mas não de si próprio. Que admira as idéias que não teve mas nunca as que teve. Que acredita mais arraigadamente nas coisas que menos entende, e que não acredita no que quer que lhe pareça fácil de assimilar”. Wilhelm Reich

O martírio do viver é crer na falsa felicidade alheia. Que todos sejamos declaradamente infelizes é uma única solução para a humanidade. Isto não é pessimismo, nem desilusão, é a vida no mundo que Deus criou à sua imagem e semelhança.

“nada é mais difícil de suportar que uma sucessão de dias belos” Goethe

“O programa de tornar-se feliz, que o princípio do prazer nos impõe, não pode ser realizado; contudo, não devemos – na verdade, não podemos – abandonar nossos esforços de aproximá-lo da consecução, de uma maneira ou de outra.” Freud

“Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas que ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia.” Marshall Bermann

Para ler:

O que há de errado com a felicidade. In: BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida.

LASCH, Christopher. Refúgio num mundo sem coração. A família: santuário ou instituição sitiada?

Para a crítica do hedonismo. In: MARCUSE, Herbert. Cultura e Sociedade, vol.1.

FROMM, Erich. O medo à liberdade.

FROMM, Erich. A revolução da esperança.

FROMM, Erich. A arte de amar.

FROMM, Erich. Do ter ao ser.

REICH, Wilhelm. Escuta, Zé ninguém!

“Eu queria ser feliz, mas não sei como”

Uma aluna conversando comigo pelo msn escreveu “Eu queria ser feliz, mas não sei como”. Eu pensei, se eu tivesse a resposta, eu seria rico, não seria professor. Mas de fato, a questão da felicidade é um falso problema, pelo menos quando a pergunta feita é como ser feliz. É evidente que não há um como, porque a felicidade não pertence ao âmbito do ter ou do fazer ou do consumir. Na nossa sociedade procuramos reduzir toda a existência ao ter, fazer ou consumir. Os problemas são resolvidos através de uma receita pronta, é só fazer alguma, realizar uma ação que os problemas se resolvem. Ninguém quer viver a vida e seus problemas e dificuldades, quer resolvê-los como se a tristeza, a felicidade fossem coisas que se tratasse como uma máquina de lavar quebrada, chama o técnico e ele diz o que fazer para resolver o problema. Por isso, há tantas pessoas que lucram com revistas com receitas miraculosas, com simpatias, magias, livros de auto-ajuda, cursos. Estamos em um mundo louco onde as pessoas crêem que as dificuldades existem porque ela ainda não encontrou a receita para a solução do problema. Aparentemente, haveria um remédio para a vida que não seria a morte.  Hoje, as pessoas mudam de religião como trocam de roupa, a cada momento aparece uma novidade no mercado da fé para oferecer uma solução para o problema. Na medida em que as receitas fracassam, as pessoas vão passando de um produto para outro. A vida passa a girar em torno do consumo. A própria personalidade das pessoas passa a ser diferenciada pelos produtos que ela consome, pelas roupas que usa. Como a pessoa apenas busca fora dela as razões para viver, a existência aparece cada vez mais vazia e sem sentido. Mas não é a vida que é vazia e sem sentido é a própria pessoa. Vivemos uma era de empobrecimento espiritual, psíquico. As pessoas resumem os seus sentimentos em uma meia dúzia de palavras-chaves que explicam tudo. Quantas pessoas já responderam testes de revista para saber se está em depressão? E quantas tiveram como resultado que não está em depressão? A depressão existe e uma doença séria, mas hoje, tudo é depressão, a depressão explica tudo. Qualquer coisa, a pessoa diz que está deprimida, e isso lhe poupa de conhecer a multiplicidade de sentimentos que convivem no seu interior, bloqueia o crescimento psíquico e espiritual. Há uma fuga do mundo e de si mesmo que impede que cada indivíduo assuma a responsabilidade pelo mundo e por si mesmo. É realista pensar viver num estado de harmonia permanente com o mundo que lhe é externo? É realista pensar numa satisfação permanente consigo mesmo e o mundo? Não é realista, e portanto pensar a felicidade nestes termos só aumenta a infelicidade e só nos joga na roda louca do mundo. É preciso sair dela, de forma consciente e racional, se a felicidade é possível, ela surge dos valores, dos princípios com os quais o indivíduo se relaciona com o mundo exterior. E não é algo permanente, mas algo a ser sempre conquistado, depende do conhecimento de si mesmo, do mundo, dos outros, conhecimento que permite mudar a sua visão de mundo. A maior parte das visões de mundo que adotamos impede que nos aproximemos da felicidade. Para voltar à minha aluna, depois de eu brincar com ela que problema de mulher era falta de marido, roupa para lavar e filhos para cuidar. Ela disse que às vezes pensava que casar a faria feliz. Obviamente, eu disse que não era verdade, não havia relação entre as duas coisas. Ao contrário, esta visão de mundo na verdade não só a afasta da felicidade como provavelmente levaria um casamento dela ao fracasso. A construção de um relacionamento é um processo árduo, trabalhoso. Esperar a felicidade como resultado automático de um relacionamento só pode resultar em frustração e fracasso. Neste sentido entendo como lapidar a seguinte afirmação de Erich Fromm: "A fé na vida, em si próprio, nos outros deve ser construída sobre a pedra sólida do realismo. Isto quer dizer, com a capacidade de ver maldade, onde ela está, de ver o embuste, a destruição, o egoísmo, não somente quando for óbvio, mas em seus vários disfarces e racionalizações. De fato, fé, amor e esperança devem caminhar juntos com tamanha paixão de ver a realidade com toda sua nudez, que o estranho ficaria propenso a chamar esta atitude de "cínica". E ela é cínica quando nós pretendemos com isso a recusa em sermos conduzidos às mentiras suaves e plausíveis que encobrem quase tudo o que é falado e acreditado. Porém, esta espécie de "cinismo" não é cinismo, é ser intransigentemente crítico, uma recusa em participar de um jogo num sistema de decepção." Apenas sobre uma visão realista e crítica do mundo, mas esperançosa, se pode construir um projeto de felicidade pessoal e social. Uma visão idílica, romantizada, infantil da vida nos idiotiza enquanto indivíduos e nos paralisa, nos deprime periodicamente por não permitir termos um desenvolvimento psíquico, intelectual e espiritual suficiente para lidar com o real, especialmente em todas as esferas da vida. Veja que idealizamos mesmo a política, quando dizemos que todos os políticos são ladrões e não há o que fazer, nos colocamos como quem esperava que a honestidade fosse resultado de um processo natural e não produto da nossa própria ação, assumimos postura passiva. Como passivos são os relacionamentos relâmpagos, os quais começam sempre como se fossem um grande amor e depois sucumbem por não conseguir manter no plano ideal sem qualquer esforço tenha sido feito, sem sacrifício. De fato, é preciso ser realista e crítico, para compreender que a felicidade, a mudança para algo melhor envolve sacrifício e sofrimento, e é preciso aceitar e enfrentar isso. Qualquer tentativa de fuga desta realidade é uma fuga da possibilidade de ser feliz e de mudar o mundo.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Pobreza, violência e estética

Ontem fui numa região de São Paulo que eu não conhecia, não é o fim do mundo, mas aqui me comporto como um paulistano típico, ignoro a maior parte da cidade. Fui de ônibus, cheguei mais cedo e o local onde seria o evento ainda estava fechado, então dei uma volta na região. Fiquei chocado de ver vários mercadinhos com grades, com espaço apenas para entregar as mercadorias. Claro que sabia que isto existia. Mas não é algo que costumo ver ao vivo. É coisa para reportagem do Jornal Nacional que no fim parece algo distante. Mas isto reforça uma hipótese que tenho sobre a questão da violência no Brasil. A violência no Brasil tem consequências óbvias, as pessoas morrem, as pessoas sofrem, perdem seu patrimônio. Mas há sentidos não evidentes da violência, a violência degrada o homem profundamente, degrada os valores e as relações sociais. E isto aparece numa estética da violência. Creio que a violência no Brasil um dia será reduzida, as políticas adequadas venceram a violência. A não-violência sempre vence a violência. Mas para a não-violência vencer a violência, para o humano vencer o anti-humano será preciso vencer a estética da violência. Vivemos numa sociedade que não se preocupa com a beleza, a violência degrada ( e aqui estou usando o termo violência no seu sentido mais amplo, no sentido de violência estrutural, onde entra tanto a pobreza institucionalizada quanto o crime), e as reações à violência são igualmente degradantes. Não conseguimos dar uma resposta superior à violência, nos rebaixamos a ela. E ao rebaixarmos a ela retiramos parte da beleza do mundo. Não é apenas o mercado com grades. Mas as casas que parecem fortalezas, mas não fortalezas medievais e belas, parecem grandes caixotes. As regiões pobres, vítimas da violência estrutural, não são apenas pobres, são feias. Pobreza e feiúra não precisam estar associadas, estão associadas porque se abdicam de vários elementos representativos da civilidade e da civilização. O Ziraldo uma vez no Programa do Jô estava defendendo a necessidade de se plantar flores nas favelas cariocas. Parece uma bobagem e uma trivialidade. Mas apenas estranhamos porque aderimos ao feio, ao grotesco. Mesmo em bairros de classe média ou alta. Quantos condomínios se preocupam em ter uma jardim? Tudo era cimentado. Agora que a prefeitura impôs regras mais rígidas, mas será que teremos jardins? Ao andarmos pela avenida paulista, qual prédio bonito há por ali? Há prédios com a preocupação de parecer modernos, mas modernidade não quer dizer beleza, em geral é feio mesmo. Diante dos custos das construções se sacrifica a beleza para ficar apenas com a funcionalidade e com vários apetrechos tecnológicos, que na sua maior parte visam o quê? A segurança. É um saco viver num mundo cheio de catracas, e fotos digitais, e apresentação de identidade. A entrada de qualquer lugar é estragada por isso. Esses dias fui em uma faculdade onde não havia catracas, nem ninguém pediu identificação na entrada. Fiquei chocado, isso é o correto. Mas já se tornou surpreendente.

domingo, 26 de abril de 2009

A política, os políticos e eu

Desde criança gostei de política, sempre acompanhei. No início da década de 80, se não me engano, 1982, passei a receber o jornalzinho da prefeitura da minha cidade. Porque sempre ficava fazendo perguntas e minha mãe falou para eu escrever para o prefeito perguntando e falando das minhas preocupações. A assessoria do prefeito respondeu e partir dali passei a receber sempre o informativo da prefeitura até mudar o prefeito. O sucessor foi o segundo pior prefeito que a minha cidade teve. O pior veio logo depois, Barra do Garças aparecia na imprensa nacional de vez em quando pelas denúncias de corrupção que o deputado da cidade fazia na Câmara dos Deputados contra o prefeito. Quando da eleição deste aí que eu descobri o quanto brasileiro é complicado. Uma senhora que trabalhava na faxina no Banco Real tinha votado no sujeito, mesmo sabendo dos problemas dele e votaria de novo. Aí ela falou que votou porque ele a tinha ajudado (ele era médico). Eu na minha ingenuidade disse, mas a senhora pode votar em outro candidato que ele nem vai ficar sabendo o voto é secreto. E  ela: não ele vai ficar sabendo sim, é só olhar. Na visão dela um político conseguiria vigiar os eleitores para acompanhar quem votou ou não nele. E isso quando o voto era em papel, fico imaginando o que não pensam hoje quando o voto é na urna eletrônica.

Quando o Tancredo Neves foi eleito, uma das primeiras cidades que ele visitou foi Barra do Garças. Ele iria se encontrar lá com o governador de Mato Grosso e com o governador de Goiás. Mas como em Barra do Garças não tinha aeroporto na época, ele posou em Aragarças. Conforme pode ser visto na imagem abaixo, a esquerda está Aragarças-GO, no meio, já no Mato Grosso, o Pontal do Araguaia (na época ainda parte do município de Torixoréu) e a direita (e não apenas no mapa) Barra do Garças.

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Perturbei meus pais para ir lá. Aí fui esperar pra ver o Tancredo Neves no aeroporto de Aragarças, uma longa espera no sol. E depois fomos acompanhar a visita dele à Câmara de Vereadores de Barra do Garças, onde se reuniria com os políticos locais e os governadores. Obviamente Tancredo Neves foi muito aplaudido. Mas lá por aquelas bandas, o mais popular era sem dúvida o governador de Goiás Íris Rezende. E o impopular era certamente o governador do Mato Grosso, Júlio Campos. Nos discursos para o povo, obviamente o governador Íris Rezende foi muito mais aplaudido. Graças a isso, Barra do Garças ganhou um aeroporto, porque Júlio Campos ficou revoltado e disse que nunca mais pousaria em Goiás e mandou construir um aeroporto na Barra.

Da pré-escola à oitava série estudei em escola católica particular das freiras salesianas, onde não havia segundo grau ou melhor havia apenas o magistério. Por idiossincrasia local, o colégio dos padres salesianos, onde havia segundo grau, era público, estadual, e em geral todo mundo fazia o segundo grau lá. No ano que eu deveria começar no segundo grau, ou no ano anterior eu não lembro, abriu um colégio Objetivo. Eu não quis ir para nenhum dos dois. Fui para uma outra escola pública onde começaria a primeira turma de segundo grau. Nem irei comentar o contraste entre a escola de onde eu estava saindo e a que eu estava indo. O que interessa é que era 1989 e todos os professores eram petistas. A escola era uma animação, não para estudar, mas para fazer política. E isso foi muito bom. Mas como eu ainda não podia votar mais observava e analisava do que qualquer outra coisa. Porque lá eu era suspeito, porque todo mundo sabia que a minha família não só era antipetista, mas nutria muitas simpatias pela UDR e o Ronaldo Caiado. Eu não era nem uma coisa nem outra, o que meus irmãos e eu fizemos nestas eleições foi visitar todos os comitês de candidato que tinham na cidade pegando propaganda. Se a minha mãe não jogou fora estão todas arquivadas. Foi uma eleição histórica. Obviamente que o material mais fácil de conseguir era o Collor, portanto do candidatos mais conhecidos é o que tem mais. Apesar do PMDB ser forte lá, o cuidado do Ulisses Guimarães foi abandonado então tem pouco, como tem pouco material do Lula, porque a maior parte do material de campanha não era dado, mas vendido pela escassez de recursos para propaganda. Certamente o que mais contribuiu para o crescimento do Lula, além evidentemente dos problemas do país, foi a rede povo, os programas de TV eram ótimos. Também tem muito material do Guilherme Afif Domingos e seus dois patinhos na lagoa, que também tinha um grande comitê na cidade. O PL era uma alternativa para a direita local que não ficou no PFL. Por falar no PFL, nem sei se tem material do Aureliano Chaves. Se o João Baptista Figueiredo não fosse burro, o Aureliano Chaves teria sido presidente e imagino que um presidente melhor que o Sarney.

Nas eleições de 1994, eu estava na UnB. O Centro Acadêmico, agora nem sei se foi o Carel, o capol, ou cadir, ou todos juntos, resolveu convidar os presidenciáveis para um debate na UnB. Foi um fracasso, porque depois que a campanha engrena é difícil conseguir que presidenciáveis pareçam em eventos desta natureza. O então senador Espiridião Amin aceitou participar, mas a UnB entrou em greve, e aí quando ele foi lá havia pouquíssimos alunos no anfiteatro Joaquim Nabuco da FA. Mas ele foi ótimo, porque fez o discurso dele, conversou com todo mundo. E mostrou o que é um político tradicional. Dois dos meus colegas de turma eram de Santa Catarina, estado do senador, quando eles disseram que eram de  SC, o senador disse de quais cidades eram as famílias deles, fez perguntas sobre pessoas que eles deveriam conhecer e etc. Idéias, propostas para discutir, ele não tinha. Mas até minha amiga de SC que era muito esquerdista na época quase foi seduzida politicamente pelo senador. E é engraçado como certas coisas marcam, eu já tinha uma visão positiva do senador Espiridião Amin de quando ele foi governador de Santa Catarina no início da década de 80. Houve uma grande enchente em Santa Catarina em 1983 ou 1984 quando ele era governador, que assistindo pela TV a presença e a ação dele nos lugares afetados pela enchente, e isso me marcou na época. Dentre a direita brasileira, e da Santa Catarina em particular, melhor Espiridião Amin do que Jorge Bornhausen. E não sei não, mas acho que melhor Espiridião Amin do que Ideli Salvati.

Após as eleições para prefeito de 1996, o então deputado José Genuíno foi até a UnB para discutir os resultados das eleições. Foi uma noite qualquer lá, a discussão foi numa sala de aula, não foi uma palestra, foi feito um círculo composto pelo deputado e os presentes. O deputado respondeu todas as questões. Depois os colegas reclamaram, porque eu monopolizei um pouco a palavra, sempre atropelando para perguntar e questionar antes. Por incrível que pareça retrospectivamente, o que eu mais questionei foi a ausência de uma política de alianças, e pior a traição das alianças para manter o PT sempre na cabeça de chapa. Nas eleições de 1996, o caso emblemático sobre o comportamento do PT foi a eleição para a prefeitura de Belo Horizonte. O mui honrado presidente Cardoso ainda não tinha inventado a reeleição. Então o Patrus Ananias, hoje ministro, era o prefeito e o Celso de Castro do PSB era o vice-prefeito. O natural era que o candidato da coligação fosse o Celso de Castro, mas o PT não aceitou dar a cabeça da chapa para o PSB e então saiu duas candidaturas ligadas ao governo, o Celso de Castro pelo PSB e outra candidatura do PT. E o PT perdeu as eleições. (Depois como o FHC inventou a reeleição, o  Celso de Castro podia ser candidato a reeleição, então aí o PT aceitou ser vice na chapa) Voltando ao José Genuíno, neste debate toda vez que eu queria questionar o que ele havia dito usava o caso de Belo Horizonte. Fui um chato! Especialmente porque já então o Genuíno já era o grande defensor da política de alianças dentro do PT.

Estava na Feira do Livro de Brasília em 1993 ou 1994, quando anunciaram nos auto-falantes que acabava de adentrar ao recinto o Exmo. sr Presidente da República, Itamar Franco. O Itamar se comportava como uma pessoa normal dentro do possível, óbvio. Ele estava namorando na época uma policial militar de Minas Gerais. Eles se sentaram numa arquibancada que tinha lá local. Não houve tumulto, aglomeração e nem havia seguranças em volta impedindo as pessoas de chegarem perto. Então criei coragem, porque sou tímido, e fui lá conversar com ele e pedir um autógrafo. Ele autografou em um dos livros que eu havia comprado, o livro do Robert Dahl, Um prefácio a democracia econômica.

Em 1994, eu estava no Conjunto Nacional em Brasília indo para a Rodoviária pegar o ônibus para ir para a UnB. Aí quando eu olho, o Lula está lá na plataforma superior da rodoviária fazendo campanha de rua, aproveitei e peguei um autógrafo no meu caderno e matei de inveja minha amiga petista de Santa Catarina. Em 1994, eu já votaria no PT, em hipótese alguma no FHC. Como minha família nunca votaria no Lula então, eu fiz campanha em família para votarem em outro. Que votassem no Espiridião Amin, até no Quércia se fosse o caso. Mas no FHC não. Não adiantou nada, mas pelo menos três votos eu consegui tirar do FHC.

As eleições em Brasília eram uma festa. Um ótimo lugar para se vivenciar as eleições. Em 1994, as eleições para governador de Brasília foram contagiantes, altamente polarizadas entre Valmir Campelo, o candidato do Roriz, porque o FHC ainda não tinha inventado a reeleição, e Cristovam Buarque, o candidato do PT. O Cristovam Buarque venceu as eleições e civilizou Brasília pelo menos durante seu mandato. Quando ele foi eleito governador já tinha feito a disciplina Formação Econômica do Brasil na UnB, onde o professor utilizou parte do livro “A Revolução nas Prioridades”, eu tirei xerox, e nem gostei da parte que lemos, porque entendo ser teoricamente equivocado tratar dos dez erros da sociedade brasileira, porque a sociedade não erra, conceitualmente não faz sentido dizer que uma sociedade errou, porque de fato uma sociedade não para e decide, é o processo histórico que define o que a sociedade é hoje, e não escolhas propriamente. E eu só não tive a disciplina com ele, porque ele estava em campanha. Depois de eleito, ele continuou dando aulas e sempre estava lá na UnB. Encontrei-o um dia na livraria do Chiquinho no ceubinho (área de lanchonetes, xerox, livraria no ICC-Norte ou ainda minhocão), e puxei o primeiro livro dele que achei no stand para ele autografar pra mim. Depois quando fui formar, a turma o escolheu para paraninfo, e ele esteve presente na colação de grau. Ele chegou pontualmente, mas aí e ali ele era o governador, e, portanto, ele não entraria no recinto para ficar esperando começar. Ele só viria quando fosse efetivamente começar e eu dei um chá de cadeira no governador. Toda hora chegava pra mim, alguém falando que o governador já havia chegado e não podia deixar ele ficar esperando. Mas uma amiga minha estava atrasada, não havia chegado, e  eu não deixaria começar sem ela. Enquanto ela não chegasse, eu não autorizaria começar. E fiz com que o ensaio e as instruções fossem repetidas várias vezes, quando ela chegou, eu disse agora acabou o ensaio, podemos começar. E minha amiga disse, bem que minha mãe me falava no carro que você não deixaria começar antes de chegarmos. O governador chegou, e aí como já contei aqui outra vez, a participação dele foi ótima, porque o discurso dele foi elogiar o meu discurso.

Também já contei aqui outra coisa da formatura. Mas como este post é sobre política, políticos e eu. As colações de grau dos cursos de relações internacionais e ciência política eram sempre no Itamaraty, mas o pessoal de pol achava ruim porque o Itamaraty era mais identificado obviamente com o curso de rel. Eu não gostava do auditório do Itamaraty, um lugar escuro e feio. Então apoiei o pessoal de pol para ser em outro lugar. Obviamente que para ser em outro lugar tinha que ser num lugar que chamasse tanta a atenção quanto o MRE. Então decidimos ver para ser no auditório do Senado. Mas o Senado havia proibido a realização de formaturas lá. Só que a família de uma das formandas de pol era do Maranhão e tinha relações de amizade com o Edson Lobão, senador e atualmente ministro. Na época o primeiro secretário que é o responsável por estas coisas era o senador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima. Então esta colega falou com o Edson Lobão que falou com o Ronaldo Cunha Lima, que liberou para que nossa colação de grau fosse no auditório do Senado, sem dúvida um auditório maior e mais bonito do que o do Itamaraty. Se conseguir o auditório não foi difícil, conseguir a colaboração dos funcionários do Senado responsável pelo auditório foi, o chefe lá queria nos boicotar, porque ficar cuidando de som de formatura era difícil. Mas depois de ter dito que não daria para fazer o serviço, ele voltou atrás e saiu quase tudo certo. Erraram na hora de colocar uma música. E como parêntesis, é impressionante como mestre de cerimônias erra nomes, erra o que é ensaiado e os fáceis com a mesma naturalidade. Eu ensaie com ele todos os nomes difíceis, mostrando como se pronunciava. A criatura foi errar justo um fácil, um dos sobrenomes da minha amiga do parágrafo anterior, só vi a cara da mãe dela olhando pra mim.

Ainda morando em Brasília, gostava de circular pelo Congresso Nacional, agora é mais chato, porque há controle de fato na passagem da Câmara para o Senado. Mas naquela época não havia e podia-se circular tranquilamente por todas as dependências das duas Casas. O melhor para fazer isso era dizer na portaria que você iria na biblioteca. Eu sempre digo que vou à biblioteca, porque aí é certeza que não vão ligar para ninguém para pedir autorização, vc entra e pronto, pode ir onde quiser. Já circulei em todos os corredores das prédios principais, mesmo onde não passa ninguém, onde fica os gabinetes que ninguém quer. A primeira vez que eu fui ao Congresso e visitei a Esplanada dos Ministérios foi quando estava fazendo cursinho em Goiânia. Aí o sindicato de professores de Goiás ia em alguns ônibus protestar contra o substitutivo Darcy Ribeiro, que finalmente foi aprovado e hoje é a atual LDB, e uma das minhas primas professoras perguntou pra outra prima e pra mim se nós não queríamos ir e aí lá fomos nós conhecer o Congresso e a Esplanada dos Ministérios.

Em 1996, ou início de 1997, eu estava cursando a disciplina Movimentos Sociais e o trabalho final era pesquisar um movimento social e precisava entrevistar alguém do movimento social. Resolvi fazer sobre o MST. Iria entrevistar o deputado Adão Pretto do RS e falecido agora em 2009. Eu passei o dia anterior da entrevista, o dia inteiro em pé fazendo boca de urna na eleição para reitor da UnB. Nessa eleição já havíamos montado a Rel Jr, aí um dos apoiadores deste candidato a reitor havia dado muito apoio para nós. De fato o apoio dele era mais importante para conhecer gente do que para negócios, porque esse professor era arroz de festa, como ele trabalhava na área internacional na UnB, ele vivia nas recepções nas embaixadas. Tem umas frases de escritores húngaros que já postei uma vez no blog, que acho lindas, que copiei numa exposição de fotos de cemitérios húngaros promovida pela Embaixada da Hungria. Ele também nos apresentou aos representantes de Taiwan no Brasil e ganhamos alguns presentes com isso, até massagem grátis por organizar uma palestra na UnB com o representante de Taiwan expondo a bandeira de Taiwan e tocando o hino, o que em tese não deveria ocorrer oficialmente no Brasil, porque o Brasil não reconhece Taiwan, e por isso eles são sempre emotivos quando se faz isso. Como este professor estava nos ajudando e era ligado a um dos candidatos a reitor, ele nos apresentou o candidato e o candidato nos convidou para ir tomar um chá com eles na casa do candidato que fica no Lago Sul, uma casa muito bonita, com uma vista mais bonita ainda. E depois das conversas típicas de políticos sobre projetos e etc. quando estávamos no carro indo embora, eu perguntei pro meu amigo, foi impressão minha ou ele estava nos oferecendo cargo se ele for eleito? Chegamos a uma consenso que sim, que ele insinuou isso sim. Então diante de tal oferta como não fazer campanha? rsrsrs Nada disso, como já estava comprometido politicamente com o professor que ajudava a Rel Jr não havia como não fazer campanha. Passei o dia em pé fazendo boca de urna e a noite fui para a apuração. E depois do sacrifício perdemos a eleição. Então no dia seguinte eu estava morto de cansado, desesperado para dormir e ficar com os meus pés quietinhos sem tocar o chão. Mas era preciso entregar o trabalho no dia seguinte, e a entrevista estava marcada e lá fui eu. Como sempre ocorre nestas situações, o deputado estava preso no plenário e eu teria que aguardar, e os minutos e horas vão passando e eu praticamente dormindo sentado, com o pé latejando de dor. E sempre a secretária falando que o deputado está preso no plenário. Desisti meu sono e meus pés são mais importantes que um trabalho de faculdade. Entreguei o trabalho sem nenhuma entrevista. E engraçado foi a professora me dizer depois que ao ler o trabalho achava ruim não poder me dar SS (A), e dar MS (B), mas que eu merecia mesmo era um MM (C).

Como considero estes contatos com a política e os políticos importante. Sempre penso que meus alunos devem ter isso de algum modo. O ano passado convidei o deputado Aldo Rabello para fazer uma palestra na faculdade. Sendo um dos poucos deputados que se interessam por política externa demos sorte dele estar, naquele momento, postulando uma vaga de candidato a prefeito e foi bastante proveitoso ouvir a análise do deputado sobre as relações externas do Brasil e sobre o papel da Câmara dos Deputados nestas questões.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Onde está Deus?

Este semestre na disciplina de Tópicos Avançados em Relações Internacionais, que aborda a questão do Desenvolvimento e da América Latna, resolvi começar de forma insólita. Pedi para os alunos lerem o primeiro capítulo do livro de Jon Sobrino "Onde está Deus?". Para quem não conhece Jon Sobrino é um padre jesuíta de El Salvador que milita na Teologia da Libertação. O livro em princípio é sobre o terremoto que abateu El Salvador no início de 2001 e como sempre as maiores vítimas foram os mais pobres. A questão sobre onde estava Deus é um ponto de partida para analisar a situação social de El Salvador e do povo. Mas ao mesmo tempo, a questão é verdadeiramente posta, onde está Deus diante das tragédias que se abatem sobre o ser o humano. E a resposta foi a mesma dada a pergunta onde estava Deus em Auschwitz? Em Auschwitz, em Dachau, etc. Ou seja Deus está onde estão aqueles que sofrem. Em cada tragédia social que se abate sobre a humanidade, Deus está ao lado dos sofredores e dos oprimidos segundo o autor, e Deus nos convida nestes momentos à conversão. Não uma conversão abstrata e metafísica, mas uma conversão ao outro, voltar-nos ao outro, voltar-nos para os problemas do outro como sendo um problema de toda a humanidade e, portanto, um problema particular também nosso, voltar-nos ao outro com a solidariedade de quem se coloca no lugar do outro e não com a pena ou a piedade de quem olha de cima os inferiores e incapazes. E o texto parece ter surtido o efeito que eu deseja que era colocar em questão o realismo teórico que eu mesmo professo em sala de aula, mas que não serve de base para o mundo. Uma aluna me fez uma pergunta a respeitocolocando um questionamento sobre a forma como ela vê que o mundo é e como ela acha que o mundo deveria ser. Deixando de lado a questão que nomralmente quando pensamos o modo como o mundo deveria ser estamos pensando na verdade o modo como o outro deveria ser e não o modo como nós mesmos deveríamos ser, respondi o que aprendi no primeiro semestre da faculdade com o E. H. Carr em Vinte Anos de Crise, só se pode ser realista, mas não se pode ser apenas realista. Ser realista é reconhecer como mundo de fato é, olhar o mundo (e vc mesmo) sem ilusões, reconhecendo todos os defeitos e limitações, todas as chagas, a exclusão, a violência, a doença,a miséria, as pessoas que nós  colocamos para viver nas ruas, a guerra, o arbítrio. Agora diante disto qual a reação? O apenas realista dirá que o mundo só pode ser isso, que nada pode ser mudado e cavará um poço ainda mais profundo. A posição de Carr é outra, este realismo é estéril, o realismo frutífero é o que vê a realidade tal qual ela é, porque só se pode resolver os problemas a partir desta constatação, transformar o mundo a partir do que ele é, não construir um mundo ideal a partir das idéias desenvolvidas na nossa cabeça, mas mudar o mundo mundando as ações que constróem e reconstróem o mundo no dia-a-dia, é na prática que se muda o mundo (e a si mesmo) e não pensando como o mundo deveria ser. Ou seja, é na nossa reação aos problemas do outro qu escolhemos o nosso realismo, se estamos no grupo que ajuda a cavar um poço cada vez mais fundo, ou se somos construtores de laços de solidariedade social. Para voltar a Jon Sobrino, a questão é se optamos por estar do mesmo lado de Deus ou pelo outro lado.

Pensar, só se pensa sozinho! Aprender, só se aprende com os outros!

Há alguns dias estava dando um sermão numa das salas e dizia que eles que deveriam inserir os estudos na vida deles, que deveria fazer parte da vida e não um intervalo entre uma e outra atividade. E que o melhor modo de inserir os estudos na vida é fazer com ele faça parte da relação entre os amigos, é conversar sobre o que se está estudando, é usar o que está sendo estudado na conversa com os amigos, é pensar o conjunto de fatos da vida a partir das visões de mundo, das teorias que se aprende na faculdade. Dizia inclusive que pode-se tonar as fofocas sobre os colegas mais interessantes colocando por exemplo Maquiavel na história, qualquer pessoa e as suas relações no mundo se tornam mais interessantes quando olhadas pelos olhos de Maquiavel. Então entre uma balada e outra, eles deveriam utilizar os amigos para conversar mais ilustradas ainda que fosse fofoca.

As pessoas não aprendem apenas lendo livros ou estudando solitariamente. É preciso colocar as idéias em debate, é preciso colocar as idéias em discussão, é preciso para testar se elas são boas mesmo, e o seu domínio sobre elas. Pensar só se pensa sozinho, cada indivíduo isoladamente, e por isso, o pensar é livre, pode-se pensar qualquer coisa, qualquer besteira e desenvolver o pensamento. Agora é preciso lançar o pensamento no mundo para que ele seja debatido, questionado, testado, conversado, e que para daí possa resultar alguma conhecimento. É nesta elaboração coletiva do conhecimento que o aprendizado ocorre. Por isso até para aprendermos de verdade precisamos de amigos, precisamos dos outros. Na série de tv, House, vemos isso de forma radical, como os diagnósticos do dr. House são feitos? Cada um dos médicos auxiliares e ele vão lançando idéias sobre qual seria a doença, discutem, discordam, e aí vão fazer exames para testar a melhor hipótese que sobrou após a discussão. Caso o diagnóstico estivesse errado (e como é série de tv o primeiro diagnóstico nunca está certo) volta-se a discussão. Esta é uma situação generalizável se não se conversar, debater sobre o que se estuda, não se aprende.

Na UnB eu aprendi a estudar em biblioteca graças aos meus amigos. Estudar é algo metódico, significa definir qual o conteúdo será estudado, escolher qual material será utilizado, colocar a bunda na cadeira e começar a estudar. Evidentemente, o ambiente mais propício para estudar é numa biblioteca, numa boa biblioteca. Como sempre tive boa biblioteca em casa nunca tive o hábito de ir estudar em bibliotecas até o segundo grau. Aprendi a estudar na biblioteca da UnB graças à Raquel, ao Jeferson, à Giovana, à Renata. A Raquel, a Renata e a Giovana moravam em casas muito cheis, não eram propícias ao estudo, então iam para a biblioteca. A Renata e a Giovana moravam na casa dos tios da Giovana, ótimas pessoas, sempre cabia mais um na casa, mas para se concetrar nos estudos não dava. A Raquel morava na casa de irmã dela com sobrinhos pequenos, então também era melhor ir para a biblioteca. Depois a Raquel foi morar no C.O., onde o Jeferson morava. O C.O. é o Centro Olímpico da UnB, obviamenteo ninguém mora lá, mora no CEU que fica ao lado, mas todo mundo chama de C.O. O CEU não é o céu, é o Casa do Estudante Universitário, para o meu espírito seria impossível habitar lá, mas os apartamentos são duplex (não se enganem com essa informação), relativamente espaçosos, mas com gente demais ( o que dificulta estudar se os colegas de quarto estiverem lá) e com um defeito generalizado em Brasília com concreto exposto. Já disse isso antes no blog, não vejo beleza no concreto. Eu morava sozinho num local mínimo e, portanto, não tinha como trazer os livros que estavam em Barra do Garças, e como estava somente a seis meses em Brasília ainda não havia compreado livros suficiente para dizer que tinha uma biblioteca em casa, mas ainda sem ter espaço ela cresceu rápido. Então mesmo para mim a melhor coisa seria estudar na biblioteca, mas eu jamais teria ido se lá não estivessem a Raquel, a Renata, a Giovana, o Jeferson. E a Renata nem fazia relações internacionais, estudava odontologia. O curso de Introdução á Economia com professor Antônio Dantas começou desastroso, todo mundo foi mal, a minha pior nota na faculdade foi na primeira prova do Dantas, tirei 3, que no sistema de notas da UnB é MI, e no sistema ABC, seria D, mas na nota semestral fiquei com SS, que seria no sistema usado em São Paulo A. E isso graças aos meus amigos, graças às horas de estudo em grupo, com quem eu conversaria sobre conceito de demanda e oferta? Com quem eu poderia conversar sobre custo marginal decrescente? Ora, se não for com os seus amigos, ou mesmo apenas colegas de turma, só sobra o professor, porque o resto da humanidade não está interessada. E o professor lhe dará resposta para perguntas, não resolve o seu problema, porque as palavras do professor vc vai querer é decorar como resposta sem se preocupar em entender e questionar. Por isso aprende-se mais conversando com os amigos. E com isso biblioteca passou a fazer parte da minha vida de estudante, durante todo o período na UnB sempre estudava na biblioteca e sempre com tempo para conversas teóricas e para me atualizar nas fofocas. As longas conversas com a Ana Patrícia sobre o neoliberalismo e sobre os autores liberais foram fundamentais para o que eu penso hoje. Na minha dissertação de mestrado, nos agradecimentos, agradeci ao Fernando por sempre me atualizar sobre o que pensa a direita brasileira, sobre os erros da direita brasileira. Claro que coloquei assim para encher saco. Mas é verdade. Conheci o Fernando na graduação em relações internacionais na UnB, e conversar com ele sobre o Brasil e omundo sempre foi ótimo para desenvolver a tolerância com a divergência (não concordamos sobre quase nada) e para ver as frauqezas dos meus próprios argumentos. Para a Raquel, eu disse qu ela é minha consciência ética. Poucas pessoas são tão íntegras quanto à Raquel, então é óbvio que conversando com ela, ouvindo-a, eu estava aprendendo. Como a idéia já ficou clara não irei me estender mais, mas é evidente que no mestrado foi a mesma coisa. Aprendi pelas conversas que tive sobre o Brasil e o mundo. Então o que somos intelectualmente deve-se mundo ás conversas que estabelecemos, aos nossos interlocutores, se não os temos não percorreremos um caminho frutífero.

Já escrevi aqui no ano passado um libelo sobre uma das turmas que vi formar, que só tiveram a melhor formação, só foram a melhor turma, porque se dedicaram coletivamente, porque foram um bom grupo. Então se quer aprender, se quer crescer intelectualmente encha o saco dos seus colegas e amigos para que eles também queiram e participem deste processo.

PS 1: A biblioteca da UnB é a melhor biblioteca universitária que eu conheço pelo horário de funcionamento. Funciona praticamente 24 horas, das 08:00hs da manhã até às 06:00 hs da manhã do dia seguinte.

PS 2: Em São Paulo, voltei a ser comodista. Tenho que reaprender a usar bibliotecas públicas apesar da minha ser quase sempre mais do que suficiente.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Schopenhauer: Aforismos para a sabedoria de vida

Diz Schopenhauer: "Nossa vida prática, real, quando as paixões não a movimentam, é tediosa e sem sabor, mas quando a movimentam, logo se torna dolorosa. Por isso, os únicos felizes são aqueles aos quais coube um excesso de intelecto que ultrapassa a medida exigida para o serviço da sua vontade. Pois, assim, eles ainda levam, ao lado da vida real, uma intelectual, que os ocupa e entretém ininterruptamente de maneira indolor e, no entanto, vivaz. Para tanto, o mero ócio, isto é, o intelecto não ocupado com o serviço da vontade, não é suficiente; é necessário um excedente real de força, pois apenas este capacita a uma ocupação puramente espiritual, não subordinada ao serviço da vontade. Ao contrário, otium sine litterus mors est et hominis vivi sepultura (o ócio destituído de ocupação intelectual é, para o homem, morte e sepultura em vida) (Sêneca, Ep.82)."

Schopenhuaer está certo quando diz que vida sem paixão é tediosa e que a vida com paixão é dolorosa. É um dilema inescapável, e por isso, o intelecto não salva, ao contrário, do que pensa Schopenhauer pensar não é se afastar do mundo, mas mergulhar no mundo e portanto ficar mais perto das dores e das chagas do mundo. O próprio pessimismo de Schopenhauer é produto da sua ação no mundo, de pensar o mundo, portanto cada vez que ele buscava se refugiar no mundo das idéias para se proteger da dor da paixão, não se enganem Schopenhauer era um apaixonado, ele de fato aprofunda a sua tristeza, a sua dor porque via as misérias do homem. Schopenhauer buscava no mundo as virtudes e as idéias que pudessem redimí-lo, nunca as encontrou e nunca deixou de buscar. Schpenhauer ansiava pela morte, mas apesar de ter sido uma pessoa de saúde frágil viveu muito, a morte não ansiava por Schpenhauer. Na medida que a morte não o agraciou com o seu amor, Schpenhauer sempre buscou uma razão para ele mesmo não abraçar a morte. Antes das besteiras da Nova Era e da penetração do misticismo oriental no Ocidente, Schopenhauer foi o primeiro grande pensador a sofrer influência do budismo. E tentou fundamentar a partir daí a idéia que apesar da vida ser trágica, da vida ser dolorosa, o suicídio não era uma saída, era preciso suportar a vida estoicamente enquanto esperava (ansiava) pelo beijo seco da morte. E ironia das ironias, talvez a morte o amou no momento em que ele menos desejava o amor da morte, porque já tinha outros amores. Schopenhauer sofreu no início da carreira por ser ignorado pelos seus pares. Schopenhauer inicia a vida universitária muito tarde já estava na casa dos 30 anos. Parêntesis. Numa das biografias que eu li de Schopenhauer já há bastante tempo dizia que no mesmo momento que ele entrou na faculdade com mais de 30 havia lá um destes garotos prodígios, entrou na faculdade com 13 anos. E hoje ninguém tem notícia do garoto, enquanto Schopenhauer é célebre, deu uma contribuição ao pensamento universal, desde que li sobre isso já não me entusiasmo com a celeuma que a imprensa cria diante dos pequenos gênios, porque em geral são isso e apenas isso, pequenos gênios. Fim do parêntesis. E Schopenhauer começou num momento não propício para suas idéias. Hegel dominava a filosofia alemã. Hegel e filosofia do progresso, o mundo que saudava a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, o mundo que ansiava pela rendenção do homem que parecia estar próxima ao alcance da mão. São os debates entre hegelianos de esquerda e hegelianos de direita. É Marx como discípulo de Hegel. Schpenhauer passa pelos corredores da Universidade de Berlim e vê a sala de Hegel cheia de alunos, e a sua vazia. Pior, Hegel tem centenas e mesmo milhares de discípulos inclusive fora da Alemanha e Schopenhauer é desprezado inclusive pela mãe que diz que dois gênios não podem viver na mesma casa. E para o lamento de Schopenhauer, Hegel morreu, mas seu pensamento não cessa de florescer. Apenas no fim da vida, quando o hegelismo se radicalizou no marxismo, quando o otimismo com a ciência e técnica se retrai, quando a beleza da Revolução Francesa é substituída pelo medo dos proletários é que Schopenhauer encontrará o seu lugar no mundo intelectual alemão. E aí ele terá os seus discípulos, sendo o maior deles, Nietzsche. Sua opus magnum "O mundo como vontade e como representação" será reeditada e principalmente será lida. Neste momento, o velho pessimista Schpenhauer pode estampar um sorriso irônico, para Schopenhauer isso já quase felicidade. Mas antes que ele pudesse renegar o seu pessimismo que nos alimenta, a morte veio e lhe deu o último afago de carinho mostrando que realmente Schopenhauer estava certo, não há nada além da dor, mesmo que sua obra estivesse sendo aceita.

sábado, 16 de junho de 2007

Quem cursa relações internacionais está condenado a ficar desempregado? 2

Abaixo segue parte da primeira aula para a turma do oitavo período sobre o futuro de quem se gradua em relações internacionais:


é preciso que você não tenha uma definição rígida do que seja relações internacionais, é ótimo que você queira atuar na área de relações internacionais. Mas em poucos lugares haverá uma correspondência entre o que você estudou e as atividades profissionais que você irá exercer, mas isso não quer dizer que você não está atuando no campo para o qual se preparou. Se você idealizar a área de relações internacionais, você será definitivamente infeliz profissionalmente. Tenho uma ex-orientanda que trabalha em uma área que, pra mim, é relações internacionais dentro do que pode ser relações internacionais no setor privado. Mas, para ela, não. Para ela, não é relações internacionais e ela se sente permanentemente insatisfeita com o emprego e buscando outro trabalho na área de RI. Mas ela nunca irá encontrar. Por quê? Porque ela idealiza o que são as relações internacionais. Não façam isso. Do ponto de vista do setor privado, as relações internacionais podem ser qualquer coisa no Brasil. Por quê? Porque no Brasil nem mesmo as grandes empresas possuem setores de análise, e de formulação de cenários prospectivos. E as multinacionais possuem estes departamentos em geral no exterior. Então o mercado para você usar teoria das relações internacionais é exíguo. Se vocês consultarem o site da empresa do Rodrigo, que ele acha que é uma consultoria de relações internacionais, de fato, não é. O que faz a consultoria do Rodrigo? Consultoria de comércio exterior e lobby. É relações internacionais? Pode ser que não. Mas se você trabalhar com isso e ficar sempre pensando que perdeu seu tempo cursando relações internacionais, porque não trabalha com RI, você estará condenado a ser infeliz profissionalmente.

Mas isto não quer dizer que você deva se tornar prisioneiro do curso de relações internacionais. Vendo que o curso de relações internacionais foi insuficiente para catapultar a sua careira. Você deve começar outro curso, vocês são novos, tem idade para começar de novo. Da minha turma de graduação, de 18, quatro foram fazer direito. Além de terem ficado entre os melhores alunos do curso de direito, pois já tinham bagagem intelectual, acharam um meio de colocar em prática também as relações internacionais.

Outra coisa que vocês devem se lembrar é que há outros concursos públicos que combinam com quem cursou relações internacionais além do concurso para diplomata, há o concurso para Oficial de Chancelaria do próprio MRE, Analista de Comércio Exterior no Ministério do Desenvolvimento, Analista de Políticas públicas no Ministério do Planejamento e outros . Claro que para estes concursos vocês teriam que estudar matérias que vocês não viram no curso de RI, mas vocês têm condições de fazê-lo e no exercício da atividade estariam sempre próximos da área de RI. Mesmo na Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, vocês podem estar próximos da área de RI, pois foi lá que ocorreram as discussões para a formulação da posição brasileira em relação às patentes de medicamentos na OMC. Então em diferentes agências do Estado você pode atuar na área de RI e não apenas no Itamaraty, até porque o Itamaraty tem glamour, mas as coisas relevantes são realizadas fora do Itamaraty.

Em uma Conferência do MRE no RJ no início de julho, o presidente da FUNAG, Jerônimo Moscardo, disse que o Itamaraty deseja descentralizar a formulação da política externa e para isso quer que todos os Estados e municípios brasileiros criem uma secretaria de relações internacionais para participarem da formulação da política externa brasileira. Eu acho a idéia boba e que piora a situação da política externa brasileira. No entanto, do ponto de vista do mercado de trabalho para RI será um estímulo. Então, vários de vocês moram nas cidades da grande São Paulo e portanto, devem ficar atentos a estas oportunidades. E aqueles que por ventura tenham relações com os políticos locais podem mesmo levar à idéia aos políticos, estimulá-los para assim criar um emprego para você. Pois o embaixador pediu que fizéssemos exatamente isso, pressionarmos as prefeituras para que criem a secretaria e se preocupem com as relações internacionais do Brasil. Comigo, eu disse que ele não poderia contar, pois sou contra. Mas vocês podem ser pioneiros e criar carreiras para os próximos bacharéis em relações internacionais.

E quem quiser efetivamente prestar o concurso para diplomata? Deve estar disposto a sofrer ainda mais, a sacrificar-se. Por exemplo, muita gente vê fraude no fato de filhos de diplomatas ou políticos serem aprovados no concurso, mas é óbvio que eles possuem vantagem. Quais? A vantagem de ter sempre estudado para ser diplomata, a vantagem de ter tempo livre para estudar para o concurso. O mesmo vale para quem estudou nas universidades federais, o sujeito teve mais tempo para estudar, os cursos são diurnos o que significa que o aluno não precisa, em tese, trabalhar. Então as chances são maiores. E ainda assim, o candidato pode se perder por se desviar do foco, tenho um colega que se matava de estudar. Mas um belo dia ele se apaixonou, perdeu-se, o tempo que antes era dedicado aos estudos agora era dedicado a namorada. Então, vocês devem decidir o quanto vocês estão dispostos a sacrificar. Se você trabalha o dia inteiro e quer passar no concurso, sua vida social deve ser encerrada. Encontrar-se com o namorado ou namorada, uma vez por mês, e vá logo para os finalmentes, nada de preliminares, você não pode perder tempo. Se você pode se dedicar apenas aos estudos, então você pode reservar uma noite por semana para a vida social e outra noite para a namorada ou namorado com tempo para as preliminares. Em qualquer caso é bobagem fazer cursinho de final de semana, um cursinho onde você tem uma aula de cada disciplina por mês é inútil. Só vai para lá quem não vai passar. Então como se estuda? Sozinho, com a bunda na cadeira, leia, leia, leia e anote, livro por livro da bibliografia de todos os assuntos. Leia toda a bibliografia, resuma todos os livros, prepare respostas para algumas questões para você se preparar para responder a prova. Decore datas importantes e tratados dos quais o Brasil faça parte, especialmente os sul-americanos. E nas vésperas da prova, reveja as suas notas de leitura.

Os cursos de especialização, erroneamente chamados de pós-graduação ou MBAs, não tem qualquer relevância acadêmica, nem fará com que você encontre emprego. Então você só deve fazer um curso de especialização caso a empresa onde você trabalha leve isso em consideração na progressão da carreira, ou se tendo um emprego consolidado você deseje se preparar para mudar de emprego e função. Mesmo um curso de especialização no exterior é bobagem, serve apenas desperdiçar dinheiro, use-o em outra coisa. Curso de MBA no Brasil é um curso de especialização. No exterior é mestrado. No Brasil o nome MBA é usado apenas para dar status, não são equivalentes aos MBAs do exterior. Então se você for rico, compensa fazer um MBA no exterior. Em qualquer outro caso, uma outra graduação fará mais diferença que um curso de especialização.

Outra opção é começar um mestrado. O mestrado pode fazer diferença do ponto de vista do mercado trabalho, mas é bobagem fazer mestrado só por isso. Você deve avaliar se tem efetivamente interesse nas questões acadêmicas e a questão crucial é: você gosta de teoria? Você gosta de discutir teoria? Você gosta de conversar sobre firulas intelectuais? Se respondeu “não” para uma das questões, você não deve fazer mestrado. Se respondeu talvez, pode ser, experimente cursando uma disciplina como aluno especial no mestrado em ciência política da USP. Os mestrados importantes em relações internacionais são o da UnB, da PUC-Rio, o San Tiago Dantas, o da USP e o da Unicamp. O da USP e da UNICAMP são mais difíceis pois a prova de seleção é de ciência política e lá dentro você se especializa em relações internacionais. Então na prova haverá muita coisa que vocês não estudaram. Assim a seleção da UnB, PUC e San Tiago Dantas são mais fáceis. E ao se candidatar vocês devem fazer um projeto perfeito, pois eles sempre darão preferência aos candidatos de universidades públicas. É injusto? É. Mas não tem jeito é preciso conviver com isso.

A que conclusão chegamos de tudo isso? Que há caminhos, que há possibilidades. A vida é cheia de fardos dos quais jamais nos livraremos, mas possui oportunidades. As oportunidades são restritas, então são bem-sucedidos apenas aqueles que estão dispostos a se sacrificarem para agarrar as oportunidades. O seu sucesso e o seu fracasso é resultado das suas escolhas, das suas ações, das suas decisões. Isso significa também que todo o resultado que você teve na faculdade é irrelevante, começa um novo jogo, com novas regras, então você ainda pode se recuperar.

Quem cursa relações internacionais está condenado a ficar desempregado?

Esta semana dois alunos me procuraram para conversar sobre o curso de relações internacionais angustiados com as perspectivas de futuro.
É verdade o curso de relações internacionais não permite uma identificação clara de qual é a atividade a ser exercida após a conclusão do curso. Num curso de relações internacionais stricto sensu, seguindo o currículo padrão das universidades do exterior e o que se pratica na UnB, os alunos irão estudar basicamente política e economia política, um estudo centrado no Estado. Em tese, estaríamos formando diplomatas, mas obviamente não é verdade, a maior parte dos que se graduam em relações internacionais não irão trabalhar para o Estado nem no Brasil nem no exterior. Num país como EUA e ou nos países europeus, há uma grande divisão do trabalho que faz com que dentro das empresas haja espaço para analistas políticos de diferentes espécies, então os profissionais graduados em relações internacionais podem encontrar emprego fora do Estado, mas em atividades, setores que se relacionam com o Estado. E no Brasil? No Brasil não há essa divisão do trabalho, então torna-se mais difícil encontrar empregos no setor privado em atividades relacionadas com o Estado. Mas isto quer dizer que os profissionais de relações internacionais ficarão desempregados mais do que outros profissionais? Terão mais dificuldade para encontrar emprego? Certamente terão mais dificuldade para encontrar nos classificados dos jornais o nome do seu curso, mas não é verdade que terão mais dificuldade para encontrar emprego. Os graduados em todos os cursos enfrentam dificuldades.
Os graduados em administração trabalham em quê? Os graduados em direito? Os graduados em economia? Os graduados em sociologia? Os graduados filosofia? Os graduados em psicologia? Por exemplo, há algum tempo peguei um texto (e apesar de detestar ficar conversando com o taxista) fiquei sabendo que ele era formado em psicologia, tinha trabalhado durante anos em uma empresa como psicólogo, mas havia abandonado a profissão e se tornado taxista pelas circunstâncias. Se todos os administradores fossem administrar empresa, acho que faltaria empresa neste país, quantos caixas de banco estudam administração? Quantos chegaram a gerente? Quantos serão a vida inteira caixas? Quantas empresas no Brasil contrata economistas por serem economistas e aquela atividade só poder ser exercida por economista segundo o CFE? Que atividade no Brasil é efetivamente exclusiva de administrador? Nem todo economista trabalha com economia, nem todo administrador administra. E os filósofos? Quem contrata filósofos? Quantos filósofos temos no Brasil trabalhando como filosofia? Alguém conhece alguém que contrata sociólogos ou alguma atividade exclusiva de sociólogos? E os milhares de coitados que se graduam em Direito, quantos conseguem ser aprovados na prova da OAB? A minoria, ou seja, mais de 70% dos graduados em direito jamais serão advogados ou qualquer outra coisa relacionada ao direito, exceto assistente em algum escritório advocatício, atividade que poderia ser exercida por qualquer outro profissional. E esta é a questão, o mercado de trabalho é mais complexo do que a doutrina que diz que quem se qualifica encontra emprego diz. Vejamos:
1. nem sempre o chefe é o mais qualificado da empresa. Há várias pessoas que identificam como principal problema no seu emprego o fato do chefe ser menos qualificado, isso significa que nem sempre e nem todo empresa leva em consideração as "qualificações acadêmicas" na promoção dentro da carreira, mas o desempenho do funcionário dentro da empresa, tanto do ponto de vista técnico, pessoal, quanto político.
2. o mercado de trabalho é bastante estratificado. Os empregos de maior salário são de alta especialização. Quem acha que cursar ciência da computação garante um bom emprego se equivoca, é preciso se diferenciar, dominar tecnologias que poucos no mercado de trabalho domina. Do mesmo modo, quem faz relações internacionais e acha que inglês ou espanhol irá fazer diferença no mercado se equivoca, ele será jogado na massa, se quiser se diferenciar no mercado de trabalho de consultoria internacional tem que dominar línguas de domínio restrito como chinês, russo, finlandês, etc., que permita a entrada numa mercado de concorrência imperfeita, como poucos estão neste mercado o ganho é maior. O economista precisa de qualificações, o psicólogo, etc. Para que estes profissionais precisam destas qualificações para ficar no mercado de bacharéis de relações internacionais, de administradores, de economistas, de sociólogos, etc.
3. Quem não tem especializações, qualificações extra que permitam uma profunda diferenciação da massa ocupa o mesmo mercado de trabalho. Ou seja, graduados em RI, em economia, em administração, etc. ocupam o mesmo lugar no mercado de trabalho e disputam as mesmas vagas. Neste mercado de trabalho de massa, a graduação fez pouca diferença desde que o indivíduo consiga exercer as funções que a empresa demanda. De fato neste mercado, graduação só é efetivamente lembrada no momento de contratar estagiários e trainees porque a lei assim exige.
4. Então, a qualidade mais necessária fora do mercado altamente especializado é a flexibilidade, a capacidade de mudar de função, de se adaptar a diferentes atividades. E obviamente, que quando se fala de flexibilidade está se falando de atividades de nível médio na empresa, na base não há espaço para flexibilidade. Mas como a expectativa é que quem se gradue em RI não seja o operário, então o curso de RI pode proporcionar uma vantagem que é o desenvolvimento da capacidade de pensar que permite que o profissional tenha flexibilidade. Não se deve subestimar a importância desta vantagem a maioria das pessoas jamais pensaram, os pensamentos entram na cabeça delas, porque elas nem são sábias para serem capazes de silenciarem os pensamentos, nem são intelectualmente desenvolvidas para pensar os próprios pensamentos.l Então vivem a rotina de repetir o pensamento alheio e repetir procedimentos, qualquer um que rompa com isso consegue vantagens no mercado de trabalho e qualquer outro lugar. O curso de RI contribui para isso.
5. Concluindo, apenas uns poucos, os melhores, os que estudarem mais atuarão na área específica do curso, e ainda assim precisarão se especializar além do que qualquer curso de graduação pode proporcionar. Vale para relações internacionais, vale para os outros cursos. No resto do mercado de trabalho, todos são iguais.
6. O curso de relações internacionais tem dois problemas. O primeiro é que não existe um mercado de baixo nível para relações internacionais, então ou o sujeito estuda e se qualifica e atua em alto nível ou não atuará em uma área que seja estritamente relações internacionais. O segundo problema (que parece trivial, mas não é) é que não existe um termo para designar o profissional de relações internacionais, o que aumenta a insegurança sobre qual a atividade a ser exercida pelo graduado e gera confusão também para o empregador identificar o que o graduado está apto a fazer. No entanto, pergunte para alguém o que faz o economista? Ou o que faz o sociólogo? Ou o que faz o cientista política? Ou o engenheiro de alimentos? Ou o geógrafo? O que faz um matemático? Qual a diferença entre o cientista da computação ou engenheiro da computação? Alguém que cursa processamento de dados e outro que curso ciência da computação estão no mesmo mercado de trabalho são concorrentes?
7. Deve-se estudar relações internacionais quando se gosta de estudar política interna, política mundial, economia política internacional, quando está disposto a ler, a ter discussões teóricas, a ver muita teoria, a pensar de forma cada vez mais abstrata. Se tiver estes pré-requisitos, os resultados virão do ponto de vista acadêmico e no mercado de trabalho não encontrará dificuldade maior do que o estudante de qualquer outro curso mesmo que a apreensão seja maior do que a dos alunos dos outros cursos, porque o curso e seu potencial é desconhecido pelos próprios alunos. Mas deve ser lembrado que quem escolhe cursar relações internacionais é porque tem pretensões maiores do que quem escolhe administração, comércio exterior, letras, ciências contábeis, arquivologia ou outros, então a incerteza também é maior, quanto maior o salto que se quer quer dar maior o risco de fracasso. Mas o curso de relações internacionais não é um trampolim inferior aos outros cursos, ao contrário, é melhor, mas proporciona riscos maiores. Pode-se pilotar como o Senna ou como Rubinho, como Rubinho pode bater o record de corridas, mas nunca será campeão. Como o Senna, bate-se records de vitórias, torna-se campeão, mas corre-se o risco de não terminar a prova. Para cursar relações internacionais não precisa ser um Senna, mas certamente não pode ser um Rubinho. O Rubinho cursaria administração, direito, etc.

sábado, 28 de abril de 2007

Informação não serve para nada, a mediocridade grassa

Em uma atividade da faculdade tenho que discutir com os alunos alguns textos sobre competência que relativizam a importância do conhecimento. Não sei se os textos estão corretos. Mas tenho absoluta certeza que informação não serve para nada. Vivem fazendo campanha para uso da camisinha para prevenção da gravidez e das DST e serve para alguma coisa? Quantas pessoas tendo a informação não continuam padecendo do problema. E não é possível alegar nem pobreza nem baixo nível educacional, há universitários e universitárias na mesma situação. Informar não gera conseqüências, ação responsável. Por exemplo, sempre que o sujeito leva uma multa de trânsito, o que ele diz que deveria acabar com a indústria da multa, que deveria educar, mas ele não sabe que é proibido? Avisar isso de novo pra ele fará diferente? Em Brasília, houve um tempo em que se orgulhava que os carros paravam nas faixas de segurança, mas como começou? O governo Cristovam Buarque colocou um guarda nas faixas de pedestres e sempre mandava os carros pararem durante um bom tempo certo, estava educando, os carros paravam. Depois de um tempo, o guarda continuava lá, mas não fazia nada, os carros paravam automaticamente. Depois os guardas estavam lá e estavam multando, os carros obviamente paravam, havia uma gentileza generalizada entre pedestres e motoristas. Ótimo, Brasília parecia ma cidade civilizada e isto era mais necessário nas amplas pistas da cidade. Aí os guardas foram ficando menos presentes, mas ainda existiam e parar na faixa e multar era considerado um valor importante. Muda o governo, não tem mais guarda, não tem mais multa. Não tem mais faixa. Nas cidades satélites onde a situação nunca foi tão boa quanto no Plano Piloto ninguém obedece, no Plano Piloto muito eventualmente. E mesmo nos melhores momentos quem praticava no Plano Piloto não praticava nas cidades satélites, era o mesmo sujeito educado, mas que não temia a multa. Ou seja, a humanidade é surda, pode-se dizer a mesma coisa por várias vezes, explicar e reexplicar que em geral as pessoas irão se comportar como se soubessem tudo, com enfado, com tédio e repetiram sempre os mesmos erros. É impressionante como se repete os mesmos erros, a idéia de que se aprende com os erros e com a experiência é uma falácia. O comportamento normal das pessoas é de autômato, faz sempre a mesma coisa. No Brasil, isso se acentua porque todo mundo se acha muito esperto, acha que pode resolver tudo de última hora de qualquer jeito que vai dar certo. E claro, quando ao dá certo, ninguém assume a culpa, a culpa é sempre do outro que não explicou como deveria ser feito, que não disse o que era para fazer. E assim a mediocridade se sustenta e se mantém. Infelizmente, no Brasil o conceito de medíocre foi deturpado, medíocre é o médio, é o que está na média. O José Ingenieros escreveu “O homem medíocre”, um bom livro, é uma crítica ao homem médio. Outra crítica é “Escuta, Zé ninguém” de Wilhelm Reich. O problema do homem médio é não perceber as próprias limitações e satisfazer-se com os seus resultados sempre independentes dos quais sejam. Com isso, ele não prejudica apenas a si mesmo, mas a coletividade. O fato dos outros terem as mesmas limitações não significa que as limitações sejam naturais e que se deva conformar com elas. O homem médio é uma forma de pensamento, de comportamento, uma forma de ver forma. No Brasil sempre houve homens medíocres demais, e hoje essa é uma praga que aflige o mundo. O homem que governo a principal potência do mundo não passa de um homem medíocre.