"Desde mi punto de vista –y esto puede ser algo profético y paradójico a la vez– Estados Unidos está mucho peor que América Latina. Porque Estados Unidos tiene una solución, pero en mi opinión, es una mala solución, tanto para ellos como para el mundo en general. En cambio, en América Latina no hay soluciones, sólo problemas; pero por más doloroso que sea, es mejor tener problemas que tener una mala solución para el futuro de la historia."

Ignácio Ellacuría


O que iremos fazer hoje, Cérebro?

segunda-feira, 31 de março de 2014

A distância do outro, os ThunderCats e Mumm-Ha

Recupero post de 2007!

Segundo Carl Schmitt, a política se define pela relação amigo-inimigo. É a diferenciação entre quem é amigo e quem é inimigo que gera a arena política, seja na política interna seja nas relações internacionais. Esta é uma posição subjetivista e portanto frágil teoricamente. Mas quando olhamos o mundo real vemos um conjunto de relações sendo definidos pela operação amigo-inimigo, ou conhecido-desconhecido. O povo considerado estranho, diferente é colocado como inimigo, desconheço, portanto, temo. Desse modo, o Islã teme os EUA, os EUA temem o Islã. O Bush, enquanto iniciador da guerra, é visto como a personificação do mal. Espera-se que sempre seja mal. O diabo deste raciocínio é que de perto até o Diabo tem os seus atrativos, as suas qualidades. Mas é difícil não temer o outro que rotulamos como ameaçadores, todos os moradores de rua são considerados perigosos, violentos. Andando pelas ruas, olhamos pessoas que nunca vimos e consideramos suspeitas. Do mesmo modo, a Madre Tereza de Calcutá é considerada a personificação da bondade, ajudou milhões de pessoas, no entanto, ela contribuiu para a manutenção da estrutura tradicional da sociedade indiana pelo apolitismo. Representa a paz, o bem, mas representa também o atraso, o tradicionalismo. Mas se olharmos as diferentes dimensões do ser desmontamos todos os mocinhos e bandidos. E será que a sociedade conseguiria sobreviver num mundo onde heróis e vilões são iguais, onde o superman e o Lex Luthor, o Batman e o Coringa, onde o professor Xavier e o Magneto, os Thundercats e Mumm-Ha (antigos espíritos do mal transformem esta forma decadente em Mumm-Ha, o de vida eterna), ou os G.I. Joe e os Cobras possuem em essência os mesmos objetivos apenas os expressam por modos distintos o mesmo projetos. Do mesmo modo, ambos possuem fraquezas e sustentam virtudes no interior do seu grupo. Os heróis atacam os vilões com a mesma violência, desejo de vitória, crença na superioridade do seu grupo que os vilões. Heróis e vilões violentos, mas a violência do herói é encoberta de virtude, por isso sonhamos praticar a violência, praticar a violência do herói, as glórias e a absolvição pela violação dos valores mais nobres da humanidade porque o fez em nome dos valores mais nobres da humanidade. Se há vilões e heróis, bandidos e mocinhos a cooperação se torna impossível. Sentar-se à mesa para conversar com o vilão, com o bandido é se colocar no mesmo plano, é reconhecer-lhe a legitimidade de seus pleitos. Mas como pode os ThunderCats receber o Mumm-Ha, o Escamoso, o Simiano e o Chacal na Toca dos Gatos? O que Jaga iria pensar? Como Jaga se projetaria da espada justiceira para julgar a ação dos ThunderCats? Como o Olho de Thundera se comportaria? Um mundo onde o professor Xavier pudesse sentar à mesa e negociar com o Magneto a solução dos conflitos entre os mutantes para em seguida estabelecer um acordo entre os mutantes e os humanos seria certamente um mundo onde os problemas não desapareceriam, mas se reduziriam em função da ação racional e concentrada. Mas e os Morlocks? Deixariam de ser vistos como o outro, como o diferente, como a ameaça? É pobre um mundo onde não se pode esperar que as sociedades se organizem sem a necessidade de acreditar mocinhos e bandidos, heróis e vilões.Isto tudo foi um preâmbulo para uma análise da regressão que ocorreu nas relações internacionais contemporâneas pela introdução da dicotomia heróis e vilões. Claro que de um modo ou outro sempre esteve aí. Mas após os atentados de 11 de setembro, os alinhamentos passaram a ser enquadrados dentro desta estrutura mesmo quando não tem relação com o terrorismo diretamente. Ao introduzir a questão do eixo do mal, Bush atribuiu-se a missão de todos os heróis. Os heróis existem para combater o mal. E mais quem identifica o mal é o herói. Assim, Bush passou a identificar o mal usando os seus poderes de raio-X, e localizado o inimigo, o herói precisa salvar a mocinha, a América, que está tendo as suas virtudes violadas e ameaçadas. Para salvar a donzela derrubam-se prédios, capturam-se todos os que parecem bandidos, tudo pela pureza da América. O herói dita as regras sobre o que diferencia o bem e o mal. No papel de herói, Bush criou os bandidos e vilões do sistema internacional. O problema é que todo bom vilão recusa este papel, afirma estar fazendo o que é necessário para o seu bem-estar, se proteger do suposto mocinho, que de fato o oprime impedindo que alcance os seus objetivos. Enfim, no mundo real, quando Bush rotula uma parte da humanidade de vilões; nesta mesma parte que se coloca como vítima, nascem novos heróis para combater o satânico vilão George Bush. E quando os duelos começam pouco se sabe onde estão as virtudes, e pouca é a capacidade para encontrá-las. Quando não sabemos onde o mal está, procuramos aqueles com os quais mais nos parecemos para serem as vítimas e os heróis. O outro automaticamente é o vilão. E o dualismo no pensar vai se perpetuando pela necessidade inesgotável de dividir o mundo entre o bem e o mal. Um parêntesis, talvez fosse recomendável que todos começassem a ler o livro de Saramago “O Evangelho segundo Jesus Cristo”. Na parte que nos interessa, Jesus, quando saiu para o deserto muito jovem,  foi criado por um pastor, que lhe dava todas as instruções. Um dia Jesus anda sobre as águas e chega a um barco onde Deus o espera. Jesus terá uma reunião com Deus, mas Deus avisa que é preciso esperar, pois há outro convidado. Jesus olha e vê alguém nadando como um cachorro, quando ele chega Jesus vê que é o pastor. E o pastor era de fato o Diabo. Estavam então em uma reunião de cúpula no barco Deus, Jesus e o Diabo. Ou seja, o filho de Deus foi criado pelo Diabo. E é ali que Jesus conhecerá a sua missão. Então pergunta o que o Diabo faz lá, o que tem com o assunto, e Deus responde explicando que a expansão de Seu Reino é também a expansão do império do Diabo, os dois crescem juntos. E para que o império de Deus e do Diabo se expanda, Jesus precisa morrer para que muito sangue seja derramado em seu nome e o império dos dois Senhores cresça. Jesus pergunta a Deus sobre quantos irão morrer e Deus começa a nominar os principais mártires do cristianismo e as formas pelas quais morreram. E Jesus chora pela dor que irá causar. Entre o céu e a terra, quando o poder, o Estado, as macroestruturas definem o bem e o mal, definem a continuidade da guerra. Porque a luta contra o mal é uma luta eterna que o herói não tem o direito de abandonar, e uma luta que alimenta o próprio mal.  Bush não sabia onde estava se metendo, quis livrar a América do mal e se condenou a ser o herói perpétuo, não pode negociar com o mal, e também não pode redefinir o mal, dizer que o mal não era o mal. Como pode o herói não saber qual é o inimigo, onde está a ameaça?Se brincar de mocinho e bandido com o Bush não tem graça quando ele escolhe o papel de herói. Participar da brincadeira sendo Bush o vilão também não melhora o mundo. Os povos mulçumanos podem ser povos oprimidos e sofredores, podem ser vítimas. Mas são mais vítimas dos seus sistemas internos do que dos EUA, ou do tirânico Bush. A família real saudita empobrece, enfraquece o islã mais do que a presença da base americana na Arábia Saudita. A Jordânia, a Síria fizeram tanto pelos palestinos quanto os EUA. Os curdos são tão bem tratados pelos iraquianos e turcos quanto são os afegãos pelas tropas americanas. Os iraquianos não estão sofrendo mais do que fizeram sofrer os iranianos. O Paquistão apoiando a guerra no Afeganistão colaborou para a opressão dos mulçumanos do mesmo modo que denuncia o que a Índia faz internamente. O Irã que denuncia a perseguição religiosa contra os mulçumanos persegue as demais religiões existentes no Irã como, por exemplo, a Fé Bahaí. Os palestinos protestam contra a opressão judaica, mas reclamam, porque não podem destruir Israel, o que desejam é acabar com o Estado de Israel, então o lamento é por não ter a quantidade de armas necessárias para destruir Israel, outro grande vilão. O herói palestino seria aquele que oprimisse Israel.Daí se conclui, que o inferno está cheio de mocinhos e bandidos, sobre a terra o que prospera são os conflitos e contradições onde heróis e vilões estão sempre trocando de posições. Daí decorre dois realismos, o idealista diria que é possível solucionar os problemas bastando para isso que tiremos nossas capas e sentemos para negociar reconhecendo que nenhum dos lados está ali representando os valores mais nobres da humanidade, porque valores não podem ser negociados. É preciso negociar como humanos e não como símbolos de idéias, valores, religiões, etc. O realismo strictu sensu diria que os mocinhos sempre vencem, são sempre mais fortes, então esperemos a guerra acabar e saberemos quais são os heróis. E quando a guerra não acaba?

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