"Desde mi punto de vista –y esto puede ser algo profético y paradójico a la vez– Estados Unidos está mucho peor que América Latina. Porque Estados Unidos tiene una solución, pero en mi opinión, es una mala solución, tanto para ellos como para el mundo en general. En cambio, en América Latina no hay soluciones, sólo problemas; pero por más doloroso que sea, es mejor tener problemas que tener una mala solución para el futuro de la historia."

Ignácio Ellacuría


O que iremos fazer hoje, Cérebro?
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sábado, 18 de dezembro de 2010

De renúncias e tradições – a propósito de Maria da Conceição Tavares

De renúncias e tradições – a propósito de Maria da Conceição Tavares

Escrito por Nildo Ouriques

26-Nov-2010

A influência de Maria da Conceição Tavares na formação de parte dos economistas brasileiros é compreensível. Em uma profissão marcada pela falta de originalidade, carreira em que os estudantes são obrigados por semestres a fio à leitura de manuais estadunidenses de duvidosa qualidade intelectual, Conceição Tavares foi durante anos a voz da indignação contra o "papagaísmo", ou seja, este estranho hábito de divulgar no Brasil as "teorias" emanadas dos centros metropolitanos a despeito das sandices ou das hipóteses convencionais e falsas que são divulgadas como se fossem verdades científicas. Além disso, numa profissão marcada pela astúcia e o "bom mocismo" interesseiro, Conceição Tavares tinha – e mantém – um "temperamento" absolutamente indispensável tanto na política quanto na lúgubre academia. Todos nós sabemos que apesar da pompa com que é anunciada e repetida pelos meios de comunicação, a maior parte das hipóteses difundidas pelos economistas no país está destinada apenas e tão somente a justificação do subdesenvolvimento em nome de um futuro que jamais chegará. Maria da Conceição Tavares, matemática de formação, professora de várias gerações de economistas, figurou voz destoante, especialmente durante os anos da oposição progressista à ditadura. É justificável que tenha o reconhecimento que muitos, com freqüência, expressam; mas este reconhecimento não a torna, obviamente, imune a graves erros.

O ambiente atual no Brasil é um cenário excelente para os apologéticos de sempre. Há, de fato, um otimismo ingênuo muito propício para que os economistas convencionais sigam repetindo as consignas que retiram dos manuais de micro e macroeconomia sem ruborizar-se. Estes economistas ignoram o fato de que em todos os demais países do mundo, o pensamento dominante, ou seja, a neoclássico, recebeu um duro golpe com a erupção da crise capitalista em setembro de 2008. Incapaz de prever a crise mundial do capitalismo e atônita diante de seu desenrolar, os economistas neoclássicos se limitam a repetir suas verdades eternas ou simplesmente fazem de conta que não possuem responsabilidades sobre a crise global que queima riqueza e gera crescente desigualdade social. Mas não nos enganemos: a despeito da catástrofe, ainda estamos longe de um acerto de contas teórico e político com o pensamento dominante. A crise mundial, é verdade, não arrefeceu minimamente as convicções dos neoclássicos embora tenha vitalizado antigas ilusões keynesianas que em grande medida também alimentam o otimismo ingênuo sobre as possibilidades brasileiras na economia mundial.

Neste contexto, não deixa de ser uma surpresa a declaração recente de Conceição Tavares sobre as possibilidades do Brasil: "não tem centro e periferia como antes. Há países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos." Para aqueles que não perderam a memória, percebe-se logo que se trata de uma ruptura com um dos pilares de sua formação, especialmente quando é anunciado por uma economista que sempre rendeu merecido tributo ao economista chileno Aníbal Pinto, um dos ícones do estruturalismo cepalino na América Latina. Na mesma linha e ainda com mais ousadia, Conceição Tavares chama atenção de todos nós para outra novidade que julgo ainda mais importante: "você não pode deixar de levar em conta que mudou a divisão internacional do trabalho. Paradoxalmente, não vejo muita gente mencionar isso. Houve uma mudança radical da divisão internacional do trabalho, na qual nós estamos bem colocados porque a gente exporta para todo mundo. E, em particular, no que diz respeito a matérias-primas, exportamos mais para a China do que para a Europa, por exemplo. Nunca exportamos matérias-primas para os EUA" (Folha de São Paulo, 12/09/2010). O Brasil está realmente bem colocado nesta mudança radical na divisão internacional do trabalho?

A elaboração teórica do chamado "sistema centro-periferia" foi uma das principais conquistas do pensamento cepalino na América Latina. Na prática, significou colocar por terra as teses ricardianas do famoso capítulo VII dos Princípios de Economia Política e Tributação, mais tarde resgatadas convenientemente pelos economistas universitários sob a mistificação da denominada "teoria das vantagens comparativas". De fato, a original contribuição do economista argentino Raul Prebisch sobre a "deterioração dos termos de troca" representou um passo adiante do pensamento crítico sob a apologética dos economistas da ordem que repetiam na periferia capitalista a mencionada "teoria da vantagem comparativa", destinada a consagrar a posição dos países latino-americanos na economia mundial como meros exportadores de matérias-primas e produtos agrícolas.

Contudo, se Prebisch foi brilhante na identificação do fenômeno constatando a diferença entre os preços dos produtos que a América Latina importava e a tendência de baixa dos produtos que exportava, seu esforço intelectual foi insuficiente na explicação do problema e apenas convencional na solução: a industrialização da periferia terminaria por fechar a brecha entre os preços, acreditava. Os marxistas latino-americanos descobriram logo que a saída cepalina era não somente falsa, mas, sobretudo, que terminaria por também contribuir para a justificação do subdesenvolvimento em que ainda estamos afundados. Foi neste terreno que surgiu a "teoria do intercâmbio desigual", em que André Gunder Frank (1964), Ruy Mauro Marini (1968), Arghiri Emannuel (1968) revelaram originalmente que a industrialização não seria capaz de tirar os países latino-americanos do subdesenvolvimento e da dependência. Mesmo assim, é preciso recordar que antes deles, um desconhecido polaco, membro da Escola de Frankfurt, "economista" entre filósofos, escreveu importante livro em 1929 em que o tema do intercambio desigual aparecia magistralmente estabelecido na tradição marxiana: La ley de la acumulación y el derrumbe del sistema capitalista, lamentavelmente sem tradução ao brasileiro.

A questão fundamental na formação intelectual do economista latino-americano residia neste ponto crucial, onde os críticos (marxistas ou não) indicavam o caráter polarizante do capitalismo, inexoravelmente dividido entre um centro desenvolvido e uma vasta periferia cuja característica fundamental era o nível de pobreza de sua população. O pensamento crítico buscava, obviamente, amparo em Marx e Engels. Foi Marx, ainda em 1848, quem se burlou dos defensores da ideologia do livre comércio afirmando que "se os defensores do livre comércio são incapazes de compreender como pode um país enriquecer-se a custa de outro, não necessitamos nos assombrar-nos de que os mesmos senhores compreendam ainda menos que, dentro de um país, uma classe se enriqueça a custa de outra." Seu inseparável amigo Engels também tocou no assunto muitos anos depois, quando Marx já não existia (1888); criticando a força ainda mais intensa da ideologia do livre comércio sob impulso do imperialismo inglês, Engels escreveu que "a consigna era, agora, o livre comércio. A tarefa imediata dos fabricantes ingleses e de seus porta-vozes, os economistas, era difundir a fé no evangelho do livre-comércio e criar um mundo em que a Inglaterra fosse o centro industrial e os demais uma periferia agrícola dependente" (Cursivas minhas, NDO).

Desde então, a crítica entre os economistas latino-americanos se dividiu: de um lado aqueles que, seguindo a tradição cepalina, indicavam a industrialização como o único caminho para superar a indesejável polarização existente no sistema capitalista. No Brasil, Celso Furtado foi indiscutivelmente o mais criativo e insistente defensor desta perspectiva (Brasil, construção interrompida, 1992). De outro lado, os marxistas indicavam que a dependência e o subdesenvolvimento somente poderiam ser superados com a revolução socialista e a ruptura com o sistema capitalista. Eram, em grande medida, alternativas radicalmente distintas, ainda que muitos observadores identificassem certas coincidências entre as opções.

Este "programa de pesquisa" está esgotado, foi superado pela realidade? Ignoravam os críticos do passado a possibilidade de uma "mudança radical na divisão internacional do trabalho" como anuncia agora Conceição Tavares? Definitivamente não! No posfácio (1971) à sua importante obra, La acumulación a escala mundial. Crítica a teoria del subdesarrollo, o egípcio Samir Amim reconhecia explicitamente os méritos do debate iniciado na América Latina e perguntava: o sistema mundial "caminha em direção à dicotomia cada vez mais crescente entre centro-periferia? Ou não é mais que uma etapa da evolução do sistema, e neste caso tende em direção a uma sorte de formação capitalista mundial homogênea?". Nos termos atuais: a existência de uma suposta "semi-periferia" teria dado por concluída a antiga polarização centro-periferia?

O sistema centro-periferia pode admitir a existência de um país "semi-periférico"? Esta hipótese tampouco é rigorosamente nova; foi aventada insistentemente por Immanuel Wallerstein, mas ele próprio tem consciência da dificuldade ou, creio, debilidade do conceito. Na sua obra, O moderno sistema mundial, Wallerstein (1980) indica que o elemento constante no que denomina "economia-mundo capitalista" é a divisão hierárquica do trabalho, na qual existe uma igualmente "constante variável localização da atividade econômica". O caso historicamente relevante para a "análise do sistema-mundo" é o sueco, no século XVII, que segundo esta interpretação logrou sair da periferia sistêmica e acomodar-se à condição razoavelmente confortável de semi-periferia. Contudo, as condições suecas eram reconhecidamente excepcionais e de impossível generalização para todo o sistema, especialmente para os países latino-americanos. Ademais, enquanto Suécia praticou o mercantilismo para sair da periferia, as classes dominantes dos países latino-americanos se curvam diante da lei do valor apostando na "liberalização". Finalmente, nunca é demais recordar: a Suécia é um país europeu, ou seja, situado no centro da "economia-mundo".

Muitos anos após a publicação de sua trilogia iniciada em 1974, é o mesmo Wallerstein quem em entrevista realizada em 1999 reconhece que as condições necessárias para um país avançar em direção à semi-periferia – conceito que incluiria tanto o Brasil quanto o México e, talvez mais surpreendente, a China! – são muitas e não são fáceis. Na mesma oportunidade Wallerstein indica que "dentro da lógica do sistema" e para manter a condição de semi-periferia o Brasil teria que investir recursos significativos no âmbito militar e, claro, assegurar, durante décadas, superioridade na produção de mercadorias em relação aos seus competidores. É claro que os defensores desta linha de interpretação podem também alegar aos que insistem na dicotomia centro-periferia que acomodar Brasil e Honduras como "países periféricos" tampouco oferece a precisão conceitual necessária para captar a especificidade brasileira, posto que o "gigante do sul" possui extraordinárias vantagens em relação ao pequeno país centro-americano na economia mundial. Como estabelecer uma linha divisória mais sólida?

Os marxistas identificaram o ponto decisivo do sistema centro-periferia: a transferência de valor. Ao longo da história do capitalismo se pôde observar que a característica essencial do sistema é a reprodução da desigualdade que impede qualquer desejo de homogeneização no capitalismo. A ruralizarão da indústria no interior do país, o deslocamento de atividades produtivas sob controle das empresas multinacionais para a zona periférica são exemplos de mecanismos que foram essenciais para o processo ininterrupto de acumulação. São movimentos necessários para manter a troca desigual. Até mesmo Wallerstein reconheceu que embora a troca desigual represente uma prática antiga, somente quinhentos anos após a consolidação do que ele denomina "capitalismo histórico" foi desvelada de forma sistemática pelos oponentes do sistema.

Foi o pensamento crítico latino-americano o responsável por esta conquista teórica, indiscutivelmente. Em termos marxianos: a transferência de valor mantém a vitalidade do sistema, para a qual requer não somente deslocamentos espaciais da produção, mas, sobretudo, níveis elevados de exploração da força de trabalho e, especialmente, a super-exploração da força de trabalho. É aqui que Honduras e Brasil se encontram. Enfim, o esforço para captar a especificidade de um país qualquer ou os movimentos inerentes a acumulação mundializada não pode ignorar a lógica totalizante inerente ao sistema capitalista.

A possibilidade de uma nova configuração da divisão internacional de trabalho é também uma novidade como anuncia Conceição Tavares? Está efetivamente ocorrendo? O Brasil está "bem colocado" nesta nova situação?

O tema tampouco é novo se recordamos um texto não tão antigo de Ruy Mauro Marini (2000), publicado logo após seu precoce desaparecimento. Marini reflexiona sobre as tendências da chamada globalização, indicando a possibilidade ou o projeto de uma nova divisão internacional do trabalho aberta pela plena vigência da lei do valor em escala planetária. O texto escrito na década de noventa, se insurgia contra a hegemonia então absoluta do "neoliberalismo" na América Latina, e indicava que os países centrais apostavam na nova reconfiguração da divisão internacional de trabalho necessária para aproveitar duas vantagens estratégicas que possuíam na economia mundial. A primeira vantagem decorria da "superioridade em matéria de pesquisa e desenvolvimento" em que as potências exercem o monopólio tecnológico. A segunda estaria dada pelo controle que os países centrais possuem no processo de transferência das atividades industriais para a periferia capitalista, especialmente aquelas menos intensivas em conhecimento. Em qualquer caso, afirmou Marini, o concerto estaria construído de tal forma que as economias nacionais periféricas não lograriam jamais a condição de uma economia nacional integrada.

É fácil supor que nem mesmo o mais otimista dos economistas brasileiros se atreveria a afirmar que estamos caminhando na direção de uma economia nacionalmente integrada, capaz de sair da periferia.

Esta é a razão pela qual verificamos o elogio à economia exportadora, tão recorrente mesmo entre economistas de boa formação. Assim como a economia política inglesa sabe desde William Petty que um país pode exportar muito e empobrecer, o pensamento crítico sabe que um país pode destinar suas exportações para muitos países e não mudar um milímetro sua posição na divisão internacional do trabalho. O fato de o Brasil destinar aos Estados Unidos apenas uma parte pequena de suas exportações não muda em absolutamente nada a posição do país na adversa divisão internacional do trabalho. De fato, o Brasil exporta produtos agrícolas e minerais para muitos países do mundo sem que supere o subdesenvolvimento e a dependência; ao contrário, se pode afirmar que esta é uma das razões pelas quais seguimos no atoleiro do subdesenvolvimento.

Portanto, a existência de países de "desenvolvimento intermediário", situação na qual o Brasil – segundo a opinião de Conceição Tavares – ocuparia, não figura precisamente como novidade histórica e/ou teórica. Porém, anunciado fora de uma explicação totalizante (sistema centro-periferia), pode parecer simples apologia do subdesenvolvimento e tentativa de dar legitimidade teórica (base científica) para o otimismo ingênuo que segue inibindo a reflexão crítica necessária para mudar radicalmente o país. Após a grande crise mundial de setembro de 2008, ocorreu importante mudança na correlação de forças em escala planetária, que permite reformas mais avançadas em favor das classes subalternas, inclusive no Brasil. Mas para aqueles que pensam de outra maneira – que as condições políticas para lutas mais avançadas não existem – o que ganharemos com a renúncia no terreno teórico?

É sedutor – e talvez parte do otimismo que se abateu sobre o Brasil – pensar como José Luis Fiori, para quem estamos vivendo momentos de uma "revolução intelectual", em que "algumas idéias e teorias de esquerda e direita... já não dão conta das transformações do continente" latino-americano (Valor, 29/09/2010). No que se refere à esquerda, quiçá seria então necessário admitir que a antiga concepção centro-periferia foi finalmente superada pela realidade, pelo menos para nós, brasileiros. Neste acaso, também é necessário reconhecer que não há originalidade no movimento. Enfim, no propósito de legitimar um dos bandos na luta política eleitoral (conjuntural) que o país atravessa, cada um dirá, com forma própria e no tempo adequado, um brado já conhecido: "esqueçam o que escrevi".

Nildo Ouriques é economista, professor do departamento de Economia da UFSC e membro do Instituto de Estudos Latino-Americano da Universidade Federal de Santa Catarina (IELA-UFSC).

http://www.correiocidadania.com.br/content/view/5235/9/

sábado, 27 de junho de 2009

Essa é uma doença grave e generalizada!

A síndrome do manual

Escrito por Wladimir Pomar

24-Jun-2009

Se a militância com consciência adquirida, aproveitando-se do conhecimento de outras experiências de luta, for capaz de sugerir ações que ajudem as massas a superar suas dificuldades, teremos um caso concreto de influência da consciência sobre a mobilização espontânea.

No entanto, como em tudo o mais, foi a prática anterior que forjou aquela consciência. E será a prática da luta que comprovará se a influência consciente foi eficaz e contribuiu para a vitória. Ou se, ao contrário, não teve efeito, ou contribuiu para a derrota. Não é por acaso que alguns marxistas consideram a prática como o critério para definir a verdade, e sintetizam o método marxista como a análise concreta de uma situação concreta.

Em outras palavras, nenhum manual pode dar conta de todas as situações que a realidade oferece. No fundo, a dificuldade de uma parte da esquerda brasileira, diante da atual realidade e atitude das massas populares, consiste justamente no fato de que a situação política de nosso país, assim como de vários outros países do mundo, inclusive da América Latina, não consta de qualquer manual.

Vale a pena lembrar que, como uma das formas de resolver a questão agrária, Marx chegou a sugerir que os latifundiários fossem indenizados. O que, para alguns pensadores de esquerda, deve parecer uma espécie de traição. E que Engels, por sua vez, levantou a hipótese de que os social-democratas (quando os social-democratas eram revolucionários) poderiam chegar ao governo por via eleitoral, o que agora está se configurando como realidade.

Essas sugestões dos fundadores do materialismo histórico são, em geral, desconhecidas. E a possibilidade de sua concretização jamais fez parte de qualquer dos posteriores manuais doutrinários da esquerda. Assim, é natural que um sem-número de líderes e militantes populares estejam incomodados com a situação, inusitada, de partidos populares, partidos socialistas e partidos comunistas estarem vencendo eleições para governos. Isto, num continente que se notabilizou, até os anos 1980, algumas vezes, inclusive, com apoio social, por políticas ferozmente anti-populares, anti-socialistas e anticomunistas.

Também é natural que esses líderes e militantes, numa espécie de ação de autodefesa, abjurem tudo que cheire a espontaneísmo, mesmo que seja a espontaneidade de grandes massas populares. Ou que chancelem como traição tudo que se assemelhe à administração do capitalismo realmente existente, ou qualquer aliança com setores burgueses.

Um dos problemas reside em que, ao fazerem isso, quase sempre descambam para o voluntarismo, mesmo que apenas verbal. Ou, o que é pior, sob o argumento de que uma parte da esquerda traiu seus ideais, resvalem para posições conservadoras ou reacionárias, tomando-as como "mais progressistas". Exemplo evidente disso são as alianças políticas, especialmente nos parlamentos, entre setores da ultra-esquerda e o tucanato, sob o argumento de que o governo Lula é neoliberal e castrador da iniciativa popular.

Isso é o que se pode chamar de síndrome do manual. Com ela, esses setores abandonam qualquer possibilidade de elaborar políticas que respondam à realidade concreta com que nos defrontamos. E, como resultado, corremos o risco de vê-los apoiando o "progressista" Serra contra o candidato do PT e de Lula, nas eleições de 2010.

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3428/46/

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Este é um problema da esquerda brasileira. O autor do artigo padece do mesmo problema.

Dinâmica de aprendizado das massas

ESCRITO POR WLADIMIR POMAR

27-MAI-2009

Consideramos massas os conjuntos de trabalhadores e elementos populares que convivem numa determinada coletividade. Em outras palavras, não consideramos as massas populares ou trabalhadoras um conjunto uniforme, mesmo que pertencentes à mesma classe ou segmento social.

Portanto, sua dinâmica de aprendizado é dispersa e diferenciada, em virtude de suas próprias condições de trabalho e de vida. Além disso, disperso e diferenciado é também seu conhecimento sobre a realidade econômica, social, cultural e política, na qual essas massas estão inseridas. Afora o fato de possuírem baixa instrução escolar, elas são ainda bombardeadas intensamente por informações que, em geral, procuram mistificar e embaralhar a realidade.

Nessas condições, a escola de aprendizado das massas, onde quer que estejam, num chão de fábrica, numa vila rural, ou em qualquer outro tipo de coletividade, só pode ser a prática da luta, seja pela sobrevivência, seja pela conquista de direitos. É na luta que elas descobrem seus próprios problemas, ou os aspectos negativos de sua existência. É na luta que elas começam negando aqueles aspectos negativos, como passo necessário para aprender a apresentar propostas positivas.

É na luta de negação dos aspectos negativos de sua vida, seja a pouca comida do dia-a-dia, o pouco teto para se proteger, a pouca ou nenhuma terra para plantar, o baixo salário para fazer frente aos custos da vida etc. etc., que as massas apreendem a realidade. Mesmo que essa apreensão ainda seja parcial, e um início de busca de soluções, essa é sua dinâmica "normal" de aprendizado.

Por outro lado, a realidade está em constante mutação. Ela é histórica e nada tem de linear. Às vezes, produz fatos e aspectos negativos que fogem daquela "normalidade", rompem com a dinâmica "normal" e obrigam as massas a negações mais radicais. Crises econômicas e sociais, guerras, conflitos políticos etc. são aspectos de grande tensão na realidade. Mudam a vida das massas de forma ainda mais brutal, obrigando-as a buscar soluções impensáveis em tempos "normais".

Os voluntaristas, em geral, desprezam a dinâmica "normal". Acham que podem chegar, qualquer que seja o momento, e propor soluções próprias para momentos de grande tensão, acreditando que as massas os seguirão, dependendo apenas de capacidade de convencimento. Recusam-se a partir do nível real de aprendizado delas, e da realidade "normal", participando do processo real, às vezes lento, de luta e descoberta de problemas e soluções.

Com isso, frustram-se ao tentar impor uma dinâmica que nada tem a ver com a realidade, e para a qual as massas ainda não amadureceram. Culpam aos que procuram adaptar-se à dinâmica "normal", pela suposta inação das massas. E isolam-se, não raro descambando para o oposto do que propunham antes. Assim, quando os momentos de grande tensão se apresentam, não possuem elos de contato com as massas, que lhes permitam influenciar os acontecimentos.

Já os espontaneístas se subordinam totalmente à dinâmica "normal". Não vislumbram a possibilidade de saltos, nas descobertas das massas, quanto aos aspectos negativos da realidade, nem na criação de negações que correspondam a essas novas descobertas. Não se preparam para as grandes tensões e, quando estas se apresentam, são atropelados pelos acontecimentos.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3327/46/

domingo, 10 de maio de 2009

Raya Dunayevskaya e o Capitalismo de Estado

Alguém me perguntou o que seria capitalismo de Estado num post sobre o livro “O século soviético”. Primeiro irei tratar do sentido empregado no post, e no fim do sentido mais comum que o termo foi usado nos anos 70.

Vou responder e aproveitar o ensejo para introduzir no post Raya Dunayevskaya, uma intelectual marxista ucraniana completamente ignorada no Brasil. Dunayevskaya trabalhou com Trotsky, mas ao longo do tempo foi se afastando dele e criou uma corrente teórica dentro do marxismo norte-americano, cujos desdobramentos podem ser encontrados no site: www.newsandletters.org.

Raya Dunayevskaya não é o autor mais conhecido a falar sobre o capitalismo de Estado. Mas foi a primeira. Já em 1941 ela escreveu que a União Soviética era uma sociedade capitalista, e não um Estado burocrático ou degenerado por Stálin como queria Trotsky.

No livro “Marxism and freedom from 1776 until today”, Dunayevskaya aponta que a URSS passou de um Estado dos trabalhadores para um capitalismo de Estado com a lógica do planejamento centralizado que alijou os trabalhadores do poder, e produziu uma desumanização do capitalismo submetendo-o a uma máquina controlada pelo Estado. Continua predominando a lógica do predomínio da acumulação de capital no setor de bens de produção sobre a produção de bens de consumo e satisfação das necessidades humanas. Numa consideração bastante significativa a autora diz que o fetichismo da mercadoria é substituído pelo fetichismo do plano. Ou seja se o capitalismo abstrai e esconde as relações sociais que fundamentam o valor das mercadorias, o planejamento soviético descola-se tanto na formulação quanto na definição de metas e execução das relações sociais que fundamentaram a sua origem. É definido de forma arbitrária e negando as necessidades sociais, políticas e de consumo do povo soviético.

Duas citações da autora em tradução livre sobre o capitalismo de Estado:

“O capitalismo de Estado não é uma continuação do desenvolvimento do capitalismo no sentido de m desenvolvimento sem rupturas. É um desenvolvimento através da transformação no seu oposto. O capitalismo vive e progride pela livre competição. O seu máximo desenvolvimento é encontrado sob uma democracia burguesa ou democracia parlamentar. O capitalismo de Estado significa, e só pode significar, burocracia, tirania e barbarismo como pode ser visto na Alemanha nazista e na Rússia totalitária.”

“A inviabilidade do capitalismo de Estado como “nova” ordem social é demonstrada pelas mesmas leis de desenvolvimento do capitalismo privado, isto é, a compulsão para explorar as massas dentro do país e gerar guerras no exterior.”

Há uma série de imprecisões conceituais na autora até porque ela assume uma posição que talvez não seja teoricamente válida da forma radical, que é o humanismo, mas ela possui idéias interessantes.

Enfim, o capitalismo de Estado é um sociedade capitalista onde ao invés do capital ser controlado pela burguesia, e desta burguesia controlar o Estado e utilizá-lo para atingir os seus objetivos, o capital é controlado pelo Estado e pela burocracia do Estado. Onde as decisões não ocorrem pelos mecanismos de mercado, mas a partir do planejamento centralizada realizado pela burocracia sem qualquer participação da sociedade.

De fato, há um debate teórico não só sobre o capitalismo de Estado, mas sobre a natureza social e econômica das sociedades do Leste Europeu.  Porque há um debate sobre a transição ao comunismo que ficou inconclusivo pela dinâmica real das sociedades ditas comunistas.

A primeira questão a ser colocada é que ao ocorrer a Revolução Russa nem Lenin nem ninguém diria que a sociedade então implantada era comunista. Era sim uma sociedade que iniciava a transição para o comunismo. É preciso lembrar que teoricamente no comunismo ocorreria a abolição do Estado. E Lenin tinha consciência que isso era um objetivo distante. Os sovietes era um instrumento de gestão dos trabalhadores, mas não significava a abolição do Estado. De fato, o regime político existente para Lenin era ditadura do proletariado. A revolução proletária ocorre derruba a classe dominante burguesa e instaura uma ditadura do proletariado, ou seja, a antiga classe dominante perde todos os seus direitos. E a partir daí se inicia as transformações da sociedade capitalista em um sociedade socialista e finalmente comunista. Não existe mágica, fez revolução, agora é socialista ou comunista. Há a transição.

O programa leninista era de realizar a transição para o comunismo. Com a morte de Lenin, Stálin assumi e começa a dar um direcionamento para uma aceleração do processo de acumulação de capital no campo e na indústria. É preciso reduzir rapidamente o gap econômico e tecnológico existente entre a sociedade soviética e a sociedade ocidental. Isto será realizado rapidamente. Nos anos 30 este desnível já será passado. Ora mais aí ficava uma questão, aquilo já era o socialismo ou o comunismo ou ainda havia algo a ser feito? Teoricamente ainda se distava bastante do ideal comunista ou socialista. Mas Stálin decreta que a transição para o comunismo já havia sido encerrada e que aquela era a sociedade comunista.

Os críticos de direita vão chamar aquelas sociedades de socialismo real. No sentido de que o que o socialismo ou comunismo podem fazer é apenas aquilo. O socialismo ou o comunismo não são aquilo que está na teoria, mas aquilo que está ali e se pode ver e não pode ser nada mais do aquilo.

Os primeiros críticos de esquerda serão Trotsky e os seus discípulos que iram considerar que a sociedade soviética estava efetivamente no caminho do socialismo, estava em transição, mas havia sido dominada pela burocracia. A burocratização da sociedade, do partido e das instituições políticas havia paralisado o avanço do socialismo, era preciso desbloqueá-lo, mas a URSS considerava sendo uma sociedade em transição.

A segunda onda de críticas à esquerda são as do capitalismo de Estado. A URSS sequer teria iniciado a transição ao socialismo, seria de fato um Estado capitalista cujo controle dos meios de produção estaria nas mãos da burocracia que exploraria o proletariado. Após a queda do socialismo do Leste Europeu, Robert Kurz, em Colapso da Modernização, escreveu para mostrar que o modelo de economia que Lenin tinha para a Rússia era o capitalismo alemão. Portanto reinterpreta o socialismo real do Leste Europeu apenas como um instrumento para acelerar a acumulação de capital e permitir que a Rússia superasse seu atraso secular em relação ao Ocidente.

Estas críticas são críticas gerais sobre a natureza econômica do sistema. Obviamente há “n” variações destas mesmas críticas ao se considerar os autores em particular críticas, e há outras críticas centradas nas questões políticas do regime.

Por fim, o termo capitalismo de Estado também foi utilizado e talvez mais popularmente seja utilizado assim, na divulgação feita por Paul Boccara. O capitalismo de Estado seria uma sociedade capitalista, sem qualquer projeto de socialismo ou comunismo, onde o Estado assume cada vez mais funções econômicas em função do processo de concentração e centralização do capital. Ou seja, o capitalismo monopolista daria origem a um capitalismo monopolista de Estado. E as facções comunistas que adotaram esta idéia imaginavam que a partir daí a transição para o socialismo seria muito mais fácil, pois o Estado já teria o controle da economia. Também se utilizou o termo para designar as sociedades periféricas, como o Brasil, onde o avanço do desenvolvimento capitalista com o processo de industrialização foi conduzido pelo Estado e não pela burguesia nacional. Capitalismo de Estado, portanto, é um termo controverso e ao se utilizá-lo academicamente é preciso definir o sentido que está sendo atribuído a ele.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Vamos todos jejuar? Pelo menos se não houver perdão da dívida haverá mais comida para os pobres!

06.09.07 - MUNDO
Pérez Esquivel faz jejum pela anulação da dívida

Adital - De hoje (6) a 15 de outubro diversas personalidades de todo o mundo se unirão em um jejum iniciado pelo Reverendo David Duncombe na cidade de Washington, exigindo ao Congresso dos Estados Unidos a aprovação de uma lei que leve a anulação da dívida externa cobrada aos países do Sul.

Como ante-sala da Semana de Ação Global contra a Dívida e as Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), convocada por centenas de movimentos e organizações em todo o mundo de 14 a 21 de outubro, distintos líderes sociais e religiosos fazem jejum em repúdio à dominação que exerce a dívida sobre os povos empobrecidos do Sul. Entre outros, participarão da manifestação o Arcebispo da África do Sul, Njongonkulu Ndungane, sucessor de Desmond Tutu; Dennis Brutus reconhecido ativista contra o regime do Apartheid e pastores de distintas Igrejas e congregações cristãs.

Ao unir-se ao jejum, Pérez Esquivel afirmou "que não é justo pagar uma dívida imoral que atenta contra Deus e a vida de nossos povos. No lugar de gastar milhares de dólares para a destruição e a morte dos povos em guerras e conflitos em diversas partes do mundo, que paguem aos povos explorados e empobrecidos o que lhes devem, porque não somos devedores, e sim credores".

Na Argentina, se unirão ao jejum no dia 6 de setembro, além de Pérez Esquivel, o Pastor Ángel Furlan, da Igreja Evangélica Luterana Unida (IELU), Gladys Jarazo e Pablo Herrero Garisto do Diálogo 2000.

Já fizeram chegar sua adesão distintas comunidades do interior do país, Nora Cortiñas das Mães da Praça de Maio Linha Fundadora, a Hna. María Bassa, do Espaço Ecumênico, Rina Bertaccini, co-presidente do Conselho Mundial da Paz e Beverly Keene, coordenadora do Jubileu Sul/Américas, entre outros.

Durante o jejum serão convocadas as organizações de todo o país e do continente para participar da semana de Ação Global, realizando ações e atividades em suas cidades e regiões.

A semana de Ação Global contra a Dívida e as IFIs é uma resposta dos movimentos e organizações populares contra as conseqüências da dívida, pelo repúdio e a anulação das dívidas multi-laterais e ilegítimas, a promoção de auditorias integrais das dívidas e as IFIs, a transparência e o controle cidadão nos processos de anulação, o fim dos condicionamentos e as políticas neoliberais e a geração de alternativas autônomas e soberanas de financiamento.

Na quinta-feira (6), às 16 horas, na sede do Serviço de Paz e Justiça (Serpaj), Piedras 730, Adolfo Pérez Esquivel conversará com a imprensa e explicará os motivos do jejum. Quem quiser aderir poderá escrever para: semanadeuda@gmail.com.

Fonte: Jubileu Sul Américas

http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=29401

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Esvaziamento da esquerda

Infelizmente a esquerda está se enfrauecndo e não é um enfraquecimento apenas político, mas também intelectual. l~enin dizia que os marxistas deveriam estudar mais do que os liberais e conservadores, pois deveriam ser profundos conhecedores do pensamento marxista, mas também do pensamento de seus adversários para conhecer as suas debilidades e saber por onde atacar. Pobre esquerda contemporânea, as esquerdas militantes estão cada vez mais vazias de idéias por terem cada vez mais slogans. O pensamento foi substutído pelo slogan e não se percebe quando um slogan foi superado e precisa-se de um novo projeto. A repetição permanente de velha cantilena prmite que o pensamento neoliberal persista. Perry Anderson mostrou como no período do seu ocaso eles se reuniram e desenvolveram novos idéias que apresentaram assim que o pensamento kayenesiano entrou em crise. Não parece estar ocorrendo o mesmo na esquerda, parece não haver renovação nas idéias esquerdistas, não compreendem o adversário, o movimento da sociedade contemporânea e assim os poucos projetos esquerdistas que aparecem se esvaem ou manifestam-se apenas como retórica.