"Desde mi punto de vista –y esto puede ser algo profético y paradójico a la vez– Estados Unidos está mucho peor que América Latina. Porque Estados Unidos tiene una solución, pero en mi opinión, es una mala solución, tanto para ellos como para el mundo en general. En cambio, en América Latina no hay soluciones, sólo problemas; pero por más doloroso que sea, es mejor tener problemas que tener una mala solución para el futuro de la historia."

Ignácio Ellacuría


O que iremos fazer hoje, Cérebro?

domingo, 10 de maio de 2009

Raya Dunayevskaya e o Capitalismo de Estado

Alguém me perguntou o que seria capitalismo de Estado num post sobre o livro “O século soviético”. Primeiro irei tratar do sentido empregado no post, e no fim do sentido mais comum que o termo foi usado nos anos 70.

Vou responder e aproveitar o ensejo para introduzir no post Raya Dunayevskaya, uma intelectual marxista ucraniana completamente ignorada no Brasil. Dunayevskaya trabalhou com Trotsky, mas ao longo do tempo foi se afastando dele e criou uma corrente teórica dentro do marxismo norte-americano, cujos desdobramentos podem ser encontrados no site: www.newsandletters.org.

Raya Dunayevskaya não é o autor mais conhecido a falar sobre o capitalismo de Estado. Mas foi a primeira. Já em 1941 ela escreveu que a União Soviética era uma sociedade capitalista, e não um Estado burocrático ou degenerado por Stálin como queria Trotsky.

No livro “Marxism and freedom from 1776 until today”, Dunayevskaya aponta que a URSS passou de um Estado dos trabalhadores para um capitalismo de Estado com a lógica do planejamento centralizado que alijou os trabalhadores do poder, e produziu uma desumanização do capitalismo submetendo-o a uma máquina controlada pelo Estado. Continua predominando a lógica do predomínio da acumulação de capital no setor de bens de produção sobre a produção de bens de consumo e satisfação das necessidades humanas. Numa consideração bastante significativa a autora diz que o fetichismo da mercadoria é substituído pelo fetichismo do plano. Ou seja se o capitalismo abstrai e esconde as relações sociais que fundamentam o valor das mercadorias, o planejamento soviético descola-se tanto na formulação quanto na definição de metas e execução das relações sociais que fundamentaram a sua origem. É definido de forma arbitrária e negando as necessidades sociais, políticas e de consumo do povo soviético.

Duas citações da autora em tradução livre sobre o capitalismo de Estado:

“O capitalismo de Estado não é uma continuação do desenvolvimento do capitalismo no sentido de m desenvolvimento sem rupturas. É um desenvolvimento através da transformação no seu oposto. O capitalismo vive e progride pela livre competição. O seu máximo desenvolvimento é encontrado sob uma democracia burguesa ou democracia parlamentar. O capitalismo de Estado significa, e só pode significar, burocracia, tirania e barbarismo como pode ser visto na Alemanha nazista e na Rússia totalitária.”

“A inviabilidade do capitalismo de Estado como “nova” ordem social é demonstrada pelas mesmas leis de desenvolvimento do capitalismo privado, isto é, a compulsão para explorar as massas dentro do país e gerar guerras no exterior.”

Há uma série de imprecisões conceituais na autora até porque ela assume uma posição que talvez não seja teoricamente válida da forma radical, que é o humanismo, mas ela possui idéias interessantes.

Enfim, o capitalismo de Estado é um sociedade capitalista onde ao invés do capital ser controlado pela burguesia, e desta burguesia controlar o Estado e utilizá-lo para atingir os seus objetivos, o capital é controlado pelo Estado e pela burocracia do Estado. Onde as decisões não ocorrem pelos mecanismos de mercado, mas a partir do planejamento centralizada realizado pela burocracia sem qualquer participação da sociedade.

De fato, há um debate teórico não só sobre o capitalismo de Estado, mas sobre a natureza social e econômica das sociedades do Leste Europeu.  Porque há um debate sobre a transição ao comunismo que ficou inconclusivo pela dinâmica real das sociedades ditas comunistas.

A primeira questão a ser colocada é que ao ocorrer a Revolução Russa nem Lenin nem ninguém diria que a sociedade então implantada era comunista. Era sim uma sociedade que iniciava a transição para o comunismo. É preciso lembrar que teoricamente no comunismo ocorreria a abolição do Estado. E Lenin tinha consciência que isso era um objetivo distante. Os sovietes era um instrumento de gestão dos trabalhadores, mas não significava a abolição do Estado. De fato, o regime político existente para Lenin era ditadura do proletariado. A revolução proletária ocorre derruba a classe dominante burguesa e instaura uma ditadura do proletariado, ou seja, a antiga classe dominante perde todos os seus direitos. E a partir daí se inicia as transformações da sociedade capitalista em um sociedade socialista e finalmente comunista. Não existe mágica, fez revolução, agora é socialista ou comunista. Há a transição.

O programa leninista era de realizar a transição para o comunismo. Com a morte de Lenin, Stálin assumi e começa a dar um direcionamento para uma aceleração do processo de acumulação de capital no campo e na indústria. É preciso reduzir rapidamente o gap econômico e tecnológico existente entre a sociedade soviética e a sociedade ocidental. Isto será realizado rapidamente. Nos anos 30 este desnível já será passado. Ora mais aí ficava uma questão, aquilo já era o socialismo ou o comunismo ou ainda havia algo a ser feito? Teoricamente ainda se distava bastante do ideal comunista ou socialista. Mas Stálin decreta que a transição para o comunismo já havia sido encerrada e que aquela era a sociedade comunista.

Os críticos de direita vão chamar aquelas sociedades de socialismo real. No sentido de que o que o socialismo ou comunismo podem fazer é apenas aquilo. O socialismo ou o comunismo não são aquilo que está na teoria, mas aquilo que está ali e se pode ver e não pode ser nada mais do aquilo.

Os primeiros críticos de esquerda serão Trotsky e os seus discípulos que iram considerar que a sociedade soviética estava efetivamente no caminho do socialismo, estava em transição, mas havia sido dominada pela burocracia. A burocratização da sociedade, do partido e das instituições políticas havia paralisado o avanço do socialismo, era preciso desbloqueá-lo, mas a URSS considerava sendo uma sociedade em transição.

A segunda onda de críticas à esquerda são as do capitalismo de Estado. A URSS sequer teria iniciado a transição ao socialismo, seria de fato um Estado capitalista cujo controle dos meios de produção estaria nas mãos da burocracia que exploraria o proletariado. Após a queda do socialismo do Leste Europeu, Robert Kurz, em Colapso da Modernização, escreveu para mostrar que o modelo de economia que Lenin tinha para a Rússia era o capitalismo alemão. Portanto reinterpreta o socialismo real do Leste Europeu apenas como um instrumento para acelerar a acumulação de capital e permitir que a Rússia superasse seu atraso secular em relação ao Ocidente.

Estas críticas são críticas gerais sobre a natureza econômica do sistema. Obviamente há “n” variações destas mesmas críticas ao se considerar os autores em particular críticas, e há outras críticas centradas nas questões políticas do regime.

Por fim, o termo capitalismo de Estado também foi utilizado e talvez mais popularmente seja utilizado assim, na divulgação feita por Paul Boccara. O capitalismo de Estado seria uma sociedade capitalista, sem qualquer projeto de socialismo ou comunismo, onde o Estado assume cada vez mais funções econômicas em função do processo de concentração e centralização do capital. Ou seja, o capitalismo monopolista daria origem a um capitalismo monopolista de Estado. E as facções comunistas que adotaram esta idéia imaginavam que a partir daí a transição para o socialismo seria muito mais fácil, pois o Estado já teria o controle da economia. Também se utilizou o termo para designar as sociedades periféricas, como o Brasil, onde o avanço do desenvolvimento capitalista com o processo de industrialização foi conduzido pelo Estado e não pela burguesia nacional. Capitalismo de Estado, portanto, é um termo controverso e ao se utilizá-lo academicamente é preciso definir o sentido que está sendo atribuído a ele.

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