1. A primeira coisa a esclarecer é que a questão nuclear norte-coreana não decorre de um suposto risco da Coréia realizar um ataque nuclear. Está suficientemente consolidada na literatura de relações internacionais a idéia que um país não realiza ataque nuclear na medida em que terá uma resposta também nuclear de igual intensidade. No caso da Coréia do Norte caso realizasse um ataque nuclear receberia uma resposta também nuclear ao qual não teria a menor condição de responder. Em termos nucleares, a Coréia do Norte só tem poder, enquanto não usar as armas nucleares, ao utilizá-las ela seria derrotada. A Coréia do Norte tem muito mais vantagens num ataque militar terrestre à Coréia do Sul do que numa guerra nuclear. Então, a questão central na discussão sobre o caso norte-coreano não deve ser um “virtual” ataque nuclear.
2. A segunda questão é qual o objetivo norte-coreano. Qualquer governo autoritário, que apenas se mantém no poder pela força, precisa se mostrar forte para a população e mais importante precisa de inimigos e de demonstrar capacidade de enfrentar o inimigo. Então o desenvolvimento nuclear norte-coreano permite intimidar a população, mostrar a força e a potência do governo e unir uma população miserável em torno de um objetivo comum, a defesa do Estado. A população está se sacrificando por algo muito importante, a segurança do país, e este sacrifício está valendo a pena. Este é um aspecto. Outro aspecto, o Estado norte-coreano é um Estado militarizado. O Exército norte-coreano possui mais 1 milhão de soldados numa população em torno de 24 milhões de habitantes. Apenas a título de comparação no Brasil, com uma população infinitamente maior, o exército não tenha mais de 300 mil homens. A Coréia do Sul com o dobro da população norte-coreana possui um exército menor. Ou seja, o peso dos militares na Coréia do Norte é enorme, portanto, o apoio deles ao governo é indispensável. A militarização, a mobilização para guerra passam a ser questões políticas internas necessárias para a estabilidade interna. Dependente do exército, o governo norte-coreano tem pouco espaço para desmobilizar a sociedade e realizar negociações internacionais. Ou seja, se para o governo, o desenvolvimento nuclear pode ser apenas instrumento para chantagear a comunidade internacional, para os militares é assunto sério. Não pode ser simplesmente descartado em troca de pequenos favores econômicos.
3. A situação norte-coreana mostra também os limites das instituições internacionais na questão nuclear. É ingenuidade crer que não haverá proliferação nuclear em virtude um tratado internacional. E na medida em que um país desobedece o tratado, os problemas se avolumam e a desmoralização das instituições passam a ocorrer de forma sistemática. Na medida em que um país se recusa a participar do regime de não-proliferação o que se pode fazer? Inclusive porque o regime de não-proliferação contesta um princípio basilar das relações internacionais, a igualdade entre os Estados.
4. Outro aspecto da questão é, como reagir? Primeiro, os EUA. NO curto prazo, qualquer reação dos EUA será considerada inofensiva. O que os EUA podem fazer que tenha eficácia na contenção da Coréia do Norte? Os EUA poderiam imitar o ataque preventivo de Israel ao Irã na década de 80, bombardear as bases nucleares coreanas. Mas os EUA tem condições de fazer isso? Não, primeiro porque já está em duas guerras. Segundo, porque são várias bases, o ataque seria de grandes proporções, não seria um ataque cirúrgico, localizado. Terceiro, ao contrário do Irã que naquele momento estava fraco, a Coréia do Norte tem uma grande capacidade de retaliação. Uma vez atacada, a Coréia do Norte responderia bombardeando Seul, e mesmo o Japão. Então os EUA, de fato, não podem fazer nada, exceto buscar isolar ainda mais a Coréia do Norte, o que é contra-produtivo, apenas estimula ainda mais o sentimento nacional norte-coreano. Diante desta situação de impotência norte-americana, a reação da Coréia do Sul e do Japão será uma maior militarização desses países. De fato, o desenvolvimento nuclear da Coréia do Norte deve gerar como reação um novo surto de corrida armamentista no setor nuclear. Coréia do Sul e Japão irão pleitear alcançar o status de potência nuclear, e os EUA não terão condições de negar na medida em que não é capaz de conter eficazmente a Coréia do Norte.
5. No Iraque, os EUA tentaram assassinar várias vezes Sadam Hussein, o mesmo fez em Cuba com Fidel Castro. Até o momento a CIA não se mostrou eficaz das principais lideranças, consegue matar os assessores, os escalões inferiores, mas não as cúpulas. Num país fechado e vigiado como a Coréia do Norte, a capacidade de CIA agir é menor ainda. Muito difícil colocar espiões num país onde estrangeiros não circulam, com população etnicamente homogênea e em pânico, ou seja, o espião teria que ser um nacional, mas cooptação não seria fácil. Evidência disso é que a CIA não previu a ameaça coreana ao contrário do Iraque, onde era fácil realizar a infiltração (mas neste caso foi vencida pelos desvios ideológicos e pela ignorância).
6. Sendo assim, a perspectiva de mudança na Coréia do Norte é interna. A única possibilidade é a desagregação da Coréia do Norte com a morte de Kim Jong-il. O presidente está doente e está cuidando da sua sucessão, quer transmitir o poder para um dos seus filhos. Pelo que saiu na imprensa, o filho escolhido teria 25 anos e seria considerado muito novo para os padrões coreanos, não seria aceito. Então teria inicialmente um tio assumiria o poder como tutor até que o sobrinho pudesse assumir. Se estes fatos se confirmarem estará abertas as portas para mudanças na Coréia do Norte, porque nada mais propenso para gerar transformações do que disputas sucessórias ainda mais quando há tutor. Aumenta a possibilidade conflitos, briga-se para ser o tutor, briga-se para destituir o tutor, para ser o herdeiro, para o herdeiro assumir logo. Então a esperança mundial recai novamente na esperança da morte do presidente norte-coreano. Da primeira vez não deu certo, o filho foi pior que o pai.
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