Enviado por Lucia Hippolito - 24.10.2009| 18h00m
A entrevista de Lula – forma e conteúdo
Algumas afirmações do presidente Lula na entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo tiveram grande repercussão – e nem sempre pelas razões corretas.
Num dado momento da entrevista, o presidente declarou que se Cristo voltasse à Terra, teria que se aliar com Judas para poder governar o Brasil, porque ninguém governa sem uma grande coalizão.
A afirmação causou um enorme reboliço. O secretário da CNBB saiu em defesa de Cristo – como se Cristo precisasse. A oposição, por sua vez, acusou o presidente de falta de respeito, entre outras coisas.
Mas as reações, um tanto exageradas e equivocadas, limitaram-se a criticar a forma como o presidente expôs seu pensamento.
Este é o estilo do presidente Lula. Ele às vezes fala um palavrão, emprega palavras chulas, metáforas futebolísticas. Ele é assim mesmo.
É preciso ir além da forma e analisar o conteúdo das palavras do presidente. Analisar sua afirmação de que, sem uma grande coalizão não se governa o país.
E Lula está coberto de razão.
O sistema político brasileiro está construído de uma maneira tal que, se não houver uma grande coalizão, o governo fica paralisado. Não governa.
O ex-presidente Fernando Henrique foi eleito numa aliança entre PSDB e o PFL. Mas teve que incorporar o PMDB e o PTB para compor maioria para governar.
Já o presidente Lula foi eleito no primeiro mandato pelo PT e o PL. Teve que agregar mais 12 pequenos partidos à aliança inicial para compor sua base de apoio.
E por que isto acontece? Porque os presidentes sempre acabam precisando emendar a Constituição. Para tanto, precisam de uma base de, no mínimo, 308 deputados.
Mas é preciso sempre contar com uma folga. Primeiro, porque não existe mecanismo de fidelidade partidária que obrigue todos os deputados e senadores a votarem segundo orientação de seus partidos.
Segundo, não existe mecanismo que obrigue todos os deputados e senadores a estarem presentes no dia de uma votação.
E naquelas votações que exigem voto secreto, então, dá uma vontade de trair, como dizia o dr. Tancredo Neves.
Assim, a aliança que é suficiente para eleger um presidente da República não é suficiente para lhe garantir a governabilidade.
Depois que toma posse, o presidente precisa aumentar o número de sócios na aliança. E aí, para poder aprovar o que quer, alia-se a cobra, jacaré e elefante.
Podemos discutir e criticar a qualidade das alianças feitas pelo presidente Lula. Realmente, o padrão ético não é lá muito rigoroso.
Lula não precisava se aliar a Sarney, Renan e Jader.
Mas não podemos nos esquecer de que, no governo Fernando Henrique, Renan Calheiros foi ministro da Justiça!
Por isso, o raciocínio do presidente Lula, exposto na entrevista, está correto.
Enquanto o sistema político brasileiro estiver construído desta maneira não há condições de governar sem uma grande coalizão.
Daí o papel estratégico do PMDB em todos os governos. Em qualquer governo.
Ninguém governa o Brasil sem o PMDB.
Com o PMDB já é um pouco difícil, porque aquilo, mais do que um partido, é uma casa de doidos, onde cada um faz o que quer.
Podemos ficar discutindo horas se Judas traiu ou não, se o presidente usou analogias adequadas ou não.
Mas o conteúdo da fala do presidente é que é relevante.
O resto é apenas o estilo do presidente Lula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário