"Desde mi punto de vista –y esto puede ser algo profético y paradójico a la vez– Estados Unidos está mucho peor que América Latina. Porque Estados Unidos tiene una solución, pero en mi opinión, es una mala solución, tanto para ellos como para el mundo en general. En cambio, en América Latina no hay soluciones, sólo problemas; pero por más doloroso que sea, es mejor tener problemas que tener una mala solución para el futuro de la historia."

Ignácio Ellacuría


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sábado, 19 de setembro de 2009

Politicamente, acordo militar com a França é o melhor, diz Cavagnari

Politicamente, acordo militar com a França é o melhor, diz Cavagnari

ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO

16-SET-2009

Após um longo período de ostracismo, as Forças Armadas brasileiras voltaram ao noticiário de destaque, com o anúncio de compra de novos caças e submarinos pelo governo, para reforçar seu aparato militar. Após tornar-se pública a preferência pelos produtos franceses, em detrimento dos suecos e norte-americanos, muitas discussões vêm se desenrolando acerca das motivações envolvidas nestas compras.

Para comentar o tema, o Correio da Cidadania conversou com o Coronel da reserva Geraldo Cavagnari, membro do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, que apóia as compras de caças e submarinos, pois considera que nossas Forças Armadas, a partir do fim da guerra fria, passaram por um processo de desmonte, deixando as forças de defesa do país em nível inferior à atual posição geopolítica brasileira. Cavagnari acredita também ser mais vantajoso politicamente o acordo com os franceses, ao se criar uma menor dependência em relação aos EUA, que imporiam maiores restrições no que se refere à transferência tecnológica.

No entanto, alerta que a reativação da IV Frota Naval foi um duro golpe sobre o país no que tange o interesse brasileiro em chefiar uma zona de paz e cooperação na região. Diante dessa realidade e da discrepância do poderio militar entre as duas nações, Cavagnari acredita ser impossível realizar um contraponto aos americanos na região, restando a opção de, ao menos em princípio, continuar modernizando seu aparato bélico, para que assim comece a galgar caminho a um maior reconhecimento na área de segurança.

Correio da Cidadania: O que pensa do acordo militar do Brasil com a França para a obtenção de helicópteros, submarinos e tecnologia para desenvolver um modelo de propulsão nuclear, acrescido posteriormente da obtenção de aviões de combate, e cujo valor previsto total encosta nos 30 bilhões de reais? O acordo é efetivo e oportuno enquanto um projeto estratégico de defesa nacional, na busca de aparelhamento das Forças Armadas?

Geraldo Cavagnari: Sou favorável à compra desse material há muito tempo. Primeiramente, porque o Brasil sofreu um processo de desmonte em suas Forças Armadas, que chegou a um ponto em que não dava mais, ainda mais com o perfil do país hoje. O Brasil já é de certo modo considerado uma grande potência regional. Assim como a Índia já é uma potência no sul da Ásia, o Brasil o é na América do Sul. Isso por ter um elevado perfil econômico, tecnológico e geopolítico na região; só militarmente segue indefinido. Assim, deve renovar todas as Forças Armadas para se nivelar em todos esses perfis.

A segunda razão é a de que o Brasil aspira um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Só que esse assunto é privilégio de grandes potências militares. Os integrantes de hoje são os mesmos que se definiram depois da 2a guerra mundial (EUA, China, Rússia, França e Grã Bretanha), as grandes potências à época da guerra.

Hoje há um interesse no âmbito da ONU de se aumentar o número de assentos com direito a veto. E os candidatos obviamente são aqueles reconhecidos como potência militar. Estão na lista à espera de um lugar Japão, Índia e Brasil. Os dois primeiros já são potências militares, com a Índia tendo a vantagem de ser uma potência nuclear também, condição à qual o Brasil já renunciou. No entanto, também não é uma potência militar nesse nível.

Considerando esses aspectos, é óbvio que as Forças Armadas têm de ser modernizadas, e essa foi a decisão do governo.

CC:E o senhor considera estratégica e pertinente a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU?

GC: É status. O Brasil quer um assento permanente, com direito a veto, então passa a ter seu status de grande potência regional reconhecido. Quer dizer, reconhecido já é, mas seria praticamente um reconhecimento oficial.

CC:Especula-se que a escolha da França pode não ser a melhor opção em termos de custos e benefícios, além de não ter havido transparência no processo. O que pensa disso?

GC: Isso está embaralhado. Porque temos de ver o seguinte: a Força Aérea e a Marinha fizeram os estudos de várias propostas. As mais convenientes eram as dos EUA no caso dos aviões e as da França no caso da Marinha.

Mas há um entendimento aí: os EUA colocam determinadas objeções que praticamente tiram a liberdade de produzir aquele material bélico.

CC:O que emperraria a transferência tecnológica de forma decisiva.

GC: Exatamente. Aconteceu que o Brasil teve de comprar algum pacote tecnológico para modernizar o Supertucano. E quando a Venezuela precisou fazer uma grande encomenda, por força desse acordo com os EUA, o Brasil ficou proibido de atendê-la, pois feria os interesses americanos.

Desse modo, o que se está procurando é acabar com as restrições. Depois que o presidente anunciou o pacote com a França, os EUA resolveram apresentar sua proposta real, que é tão significativa quanto a da França.

Tecnicamente, as duas se equiparam, inclusive no aspecto tecnológico, que permite a transferência de conhecimento. Porém, no nível político seria muito melhor para esse governo fechar com a França.

No entanto, vejo o seguinte: embora tenhamos uma relação muito afetuosa e sólida com a França, não podemos esquecer que a potência hegemônica no Atlântico Sul e na América do Sul, duas áreas estratégicas para o Brasil (para operações terrestres e marítimas), são os Estados Unidos.

CC:Dessa forma, estaria em jogo um sentido político para este acordo, ao se estabelecer um contraponto à ofensiva militarista dos EUA na América Latina, especialmente após o acordo militar com a Colômbia?

GC: Não vejo assim. É insignificante se apresentar como contraponto. Temos de dizer que o Brasil se desenvolveu economicamente naqueles perfis citados, mas, quando terminou a guerra fria, achou que nessas duas áreas poderia agir com muita desenvoltura. Dessa forma, na década de 80, ao lado da Argentina, o Brasil propôs que o Atlântico Sul se transformasse numa Zona de Paz e Cooperação, procurando apoio na ONU. E pela sua resolução 4411, a ONU fez isso com a região.

Quando os EUA saíram da América do Sul com o fim da guerra fria, a iniciativa brasileira, a galope da iniciativa venezuelana, foi criar uma OEA sul-americana, no que saiu a Unasul (União das Nações Sul-americanas). O Brasil se antecipou e fez uma proposta de criação do Conselho Sul-americano de Defesa. Ou seja, a Unasul seria o âmbito político e o Conselho o instrumento militar. O país fez isso pensando em estender a zona de paz do Atlântico para todo o subcontinente. E o Brasil ficaria com a batuta na mão, regendo uma grande orquestra, no caso a zona de paz.

Porém, com toda essa desenvoltura, o país sofreu dois baques: o primeiro foi a reativação da IV Frota naval norte-americana. Os EUA criaram-na na Segunda Guerra Mundial. Tinham uma no Pacífico, fizeram outra no Índico quando passaram a ser dependentes de petróleo árabe e, na Segunda

Guerra, criaram também a do Atlântico Norte. Terminando a Segunda Guerra, a IV Frota ficou ativa mais uns 8 anos, até que fosse desativada em 1953. Não foi extinta, mas desativada.

Aconteceu depois que os EUA passaram a entender que têm dois tipos de segurança: uma linha avançada e uma outra linha estrita. A avançada está na Eurásia, pegando todo o continente europeu, entrando pelo Oriente Médio, Ásia e sul da África.

Já a sua segurança estrita pega todo o Atlântico norte e sul, além do Pacífico oriental que banha a América do Norte e Sul. Na linha afastada, não mexeram nada, está tudo como no final da Segunda Guerra e como eles incrementaram depois. Os EUA acharam ainda que a América do Sul estava estabilizada, que se comportou como área política estratégica e passou a ter também estabilidade política e institucional.

Quando apareceram o Chávez e as pretensões do Brasil, eles reativaram a 4a. Frota. Esse é o primeiro lance, que não nos prejudica tanto, mas de certo modo é um recado, no sentido de que não lhes interessa que o Brasil tenha constituído ali a zona de paz, pois eles não tiram sua frota.

Assim, no caso da América do Sul, o Chávez abriu a guarda e os EUA entraram. Ele abriu a guarda com aquele discurso alarmista, com as provocações que fez aos EUA e à Colômbia. Os EUA tinham uma base em Manta e o Chávez atiçou o Correa a não prorrogar o contrato de concessão. E assim fez o Correa, desaparecendo os EUA de Manta.

Mas eles têm uma relação muito próxima, diria até biológica, com a Colômbia, sempre participando no combate ao narcotráfico, uma vez que são o maior produtor e mercado consumidor do mundo respectivamente, e também combatendo a guerrilha que fica mais ou menos entre as fronteiras de Colômbia, Venezuela e Equador.

Com as mudanças, os EUA conseguiram ganhar da Colômbia a aprovação para que se criassem bases com essas mesmas qualidades. Tendo como grande inimigo a Venezuela, seguida em menor escala pela Bolívia e Equador, a Colômbia achou interessante conceder as bases, pois, além do combate ao narcotráfico, teria um reforço contra a guerrilha e uma ameaça permanente a Equador e Venezuela.

Isso prejudicou o interesse regional do Brasil. Os EUA nos mostraram que usam o Atlântico como querem, avisando ter condições de criar parcerias na América do Sul. E sabem que ainda são reconhecidos por alguns como a hegemonia. Foi isso o que aconteceu. E a Colômbia está se lixando para a Venezuela, o Brasil. O projeto de Chávez era reforçar a guerrilha de modo a causar uma desestabilização na Colômbia e depois entrar com suas forças armadas lá. Isso acabou. O plano de Chávez de formar a Gran Colômbia de Bolívar acabou definitivamente.

São problemas geopolíticos da região. O Brasil tem de se convencer de que não tem condições de enfrentar os EUA na região; tecnológicas, militares e, tampouco, econômicas. Tem de saber conviver com isso e tirar proveito. Essa nossa força militar, de todo modo, tem a necessidade de segurança, principalmente na Amazônia, no espaço aéreo – praticamente sem defesa -, além da região do pré-sal.

CC:E como se proteger ou driblar esse poderio inigualável dos EUA?

GC: Não há condições. Tem de apostar no crescimento e desenvolvimento, pois não adianta falar alto sem ser potência militar. Os países que falam alto são forças militares. Tem de conviver com isso com realismo político.

CC:Especula-se a respeito de que o Brasil estaria procurando fazer um contraponto não só ao poderio imperial aos EUA, mas também à Venezuela, Equador e Bolívia e sua aproximação com Irã e Rússia. Qual a sua opinião? Estamos diante do início de uma corrida armamentista na região, restaurando uma espécie de ‘guerra fria’ regional?

GC: Creio que não. Bom, tudo é possível, não nego definitivamente, mas não acho que o Brasil entraria nessa. Se os sul-americanos criarem uma guerra fria entre si, se dividindo em blocos, a situação vai piorar, pois se abre de vez a brecha para os EUA.

CC:A concomitância entre o fechamento do acordo e toda a mobilização em torno do Pré-Sal é uma mera coincidência?

GC: Claro, vejo sim como coincidência. Não há dúvida de que há vínculo do Pré-Sal com essa compra, mas não é só isso.

CC:O acordo vem na esteira de anunciadas mudanças no Ministério da Defesa e das Forças Armadas, concedendo mais poderes ao primeiro, além de fortalecer a Marinha e a Aeronáutica em suas atribuições de polícia nas fronteiras – atualmente função somente do Exército. Como estes fatos se relacionam, a seu ver?

GC: Essa atribuição cabe ao Exército apenas por ser a força terrestre. Mas se a Força Aérea captura um avião do narcotráfico e o leva à base, chegando lá não pode prender. Por isso a decisão de conceder às três forças o direito de polícia. A estratégia nacional de defesa vai na direção de deixar as forças mais integradas.

CC:Como vê a contratação sem licitação da empreiteira brasileira Odebrecht como parte do acordo, para a construção de uma base naval e um estaleiro?

GC: Nesse caso, tem de ver como foi feito o acordo e por que o Brasil o aceitou. Se aceitou, é porque houve entendimento diplomático, pois o que fazemos aqui dentro é decisão brasileira, não tem imposição de fora, desconheço isso.

CC:Mas o governo brasileiro atribui aos franceses a escolha da empreiteira.

GC: Aí não sei dizer.

CC:Tal contratação não parece, de todo modo, bastante obscura, insinuando a força do poderoso lobby das empreiteiras?

GC: Sim, mas não se pode fazer isso. O Brasil é obrigado a realizar licitação. Se tem uma lei que obriga haver licitação, deve ser cumprida. A França pode ter feito um pedido, mas não vejo eventual pedido como imposição definitiva.

CC:Considerando o desmonte das Forças Armadas nos últimos tempos, ressaltado acima, o que consideraria como estratégia militar necessária ao país?

GC: Primeiro, há que se concentrar em recuperar e atingir um status mais avançado de modernização. Depois, deve-se manter um estado permanente de investimentos nas Forças Armadas.

Gabriel Brito é jornalista. Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3754/9/

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