A recuperação do crescimento mundial depende do Bric
Jean-Pierre Langellier (no Rio de Janeiro)
Marie Jégo (em Moscou)
Julien Bouissou (em Nova Déli)
O presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Ben Bernanke, celebrou do seu modo o primeiro aniversário da falência do banco de investimentos Lehman Brothers ao anunciar, na terça-feira (15), que a recessão econômica havia "provavelmente terminado" nos Estados Unidos.
No mesmo dia, confirmando suas declarações, o Departamento de Comércio americano divulgou que as vendas no varejo haviam subido 2,7% no mês de agosto, a maior alta desde janeiro de 2006. Se é sinal de que o consumidor americano recuperou um pouco do apetite, os economistas também concordam em dizer que a dona-de-casa do Texas não poderá mais exercer o papel de motor do crescimento da economia mundial, como acontecia há duas décadas. Chegou a hora do desendividamento e da poupança para os americanos. Também não é com a velha Europa, presa em seus problemas estruturais de dívida pública, de deduções de impostos obrigatórios recordes e de atraso tecnológico, que a economia mundial pode contar para recuperar seu dinamismo do passado.
É nos grandes países emergentes, o famoso Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) que a esperança recai hoje - a esperança que a fase de recuperação do atraso de seu nível de vida comparado aos países ocidentais continuará, ou até se acelerará. E que seus modelos de crescimento, até hoje muito baseados nas exportações, seja de camisetas ou de matéria-prima, cederão aos poucos o lugar a um novo modo de desenvolvimento, dando destaque à demanda interna.
Balanço das economias do Bric, um ano após a turbulência.
China
Com vendas de veículos em alta de quase 30% nos oito primeiros meses do ano, uma retomada contínua das importações de matéria-prima e uma Bolsa superaquecida, a China não dá a impressão de estar sofrendo com a crise mundial. A taxa de crescimento anual de 8% do PIB, objetivo inicial do governo para 2009, deverá ser atingida, declarou recentemente a Agência Nacional de Estatísticas.
A força do crescimento chinês se explica pelo mega plano de estímulo de 4 trilhões de yuans (cerca de R$ 1 trilhão) em dois anos anunciado no fim de 2008, fonte de um frenesi de investimentos em infraestrutura sem igual na história econômica mundial. Como emergência, o governo chinês ordenou aos bancos que abrissem todas as comportas de crédito. E após uma grande desaceleração em julho, os créditos voltaram a crescer em agosto.
Essa estratégia de estímulo com esteróides, que permitiu amortecer o choque sobre o desemprego e evitar que explodisse o caldeirão social, também tem desequilíbrios: parte do dinheiro dos bancos obviamente foi dirigido à especulação (bolsa, setor imobiliário, matéria-prima), enquanto futuras dívidas duvidosas/incobráveis se acumulam. Diversos economistas chineses reunidos nos dias 12 e 13 de setembro no Davos chinês, em Dalian, denunciaram que o modelo econômico chinês pende um pouco mais para o lado errado, o dos investimentos em detrimento do consumo.
Índia
Apesar da crise mundial que veio à tona há um ano, o crescimento indiano prosseguiu em um ritmo contínuo. Ele atingiu 6,7% no ano fiscal que termina em 31 de março de 2009, e deverá cair para cerca de 6% no exercício seguinte. A fraca monção deste verão, com metade do país atingido pela seca, explica essa ligeira queda. Com exceção da agricultura, todos os setores foram poupados pela crise. A produção industrial viu em junho seu melhor desempenho em um ano e meio. E o setor de serviços manteve seu ritmo de crescimento de 6,3% no primeiro trimestre de 2009. A Índia deve seu bom desempenho à força de sua demanda interna e à resistência de seu sistema financeiro, "pouco conectado ao resto do mundo", como observa Rajiv Kumar, diretor do Conselho Indiano para a Pesquisa sobre as Relações Econômicas Internacionais (Icrier).
Em um país onde somente 15% da economia depende das exportações, a demanda interna foi pouco afetada pela recessão mundial, sobretudo nas zonas rurais, que constituem metade da receita nacional. Graças aos programas sociais e ao aumento dos investimentos públicos em infraestrutura, o setor rural viu sua receita aumentar. O Estado paga um preço alto por isso, com um déficit orçamentário que representa 6,8% do PNB. E a agência de classificação de risco Standard & Poor's passou de "estável" para "negativo" seu rating soberano (nota de risco de crédito) sobre a Índia. O país continua sendo, no entanto, um destino atraente para os investidores do mundo inteiro, pois é visto como uma área de crescimento ideal para os mercados saturados, e atingidos pela crise, dos países desenvolvidos.
Saiba o que mudou no Brasil em um ano de crise
Nem uma marolinha, como chegou a prever o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nem um tsunami, como esperavam muitos empresários. É assim que analistas descrevem o resultado da crise no Brasil, pelo menos até o momento. Um ano depois da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, alguns indicadores econômicos, entre eles o crédito e o desemprego, já voltaram aos níveis pré-turbulência
Brasil
Ao prever com ironia um ano atrás que "o tsunami" da crise provocaria em seu país uma simples "marola", o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, acertou: a recessão só duraria um semestre.
O produto interno bruto aumentou 1,9% no segundo trimestre de 2009, depois de ter recuado durante dois trimestres consecutivos: -3,4% (outubro-dezembro 2008) e -1% (janeiro-março 2009).
Segundo o ministro da economia, Guido Mantega, o gigante sulamericano deverá recuperar em 2010 sua velocidade média anterior à crise, em torno de +4,5%.
Atingido pela recessão mais tarde que a maioria dos países do mundo, o Brasil também saiu dela antes, como mostram dois outros índices: a Bolsa de São Paulo retomou seu alto nível de um ano atrás e a moeda, o real, recuperou toda sua força frente ao dólar e o euro.
A rápida recuperação do Brasil mostra como foi acertada a estratégia adotada pelo governo, com enfoque sobre o apoio do mercado interno. Reduções de impostos na indústria automobilística e de eletrodomésticos mantiveram as vendas nesses dois setores industriais cruciais.
O Banco Central ajudou os bancos em dificuldades, retirando de suas gordas reservas - US$ 200 bilhões - para irrigar o mercado que havia secado. Grandes empresas, como a gigante mineradora Vale, ficaram com medo, congelando seus investimentos, o que é criticado pelo presidente Lula hoje. Mas a confiança dos consumidores não foi abalada: "A economia sobreviveu graças aos mais pobres", ressalta Lula.
Rússia
Bem mais atingida pela crise do que os outros países do Bric (Brasil, Índia, China), a Rússia vive um vislumbre de retomada. Seu PIB cresceu 0,4% em junho e 0,5% em julho.
O ministro russo das Finanças, Alexei Kudrine, se mostra otimista: o país emergirá "completamente" no terceiro trimestre de 2009. "A longo prazo e por diversas razões, a Rússia continuará tendo um sólido crescimento" que lhe permitirá se elevar "à sexta posição da economia mundial".
Após um crescimento econômico sem precedentes nos últimos dez anos, a Federação Russa mergulhou de cabeça na crise. Seu PIB despencou 9,8% no primeiro trimestre em um ano, e 10,9% no segundo trimestre.
Essa aterrissagem brutal se explica pelo modelo russo de crescimento, focado nas exportações de matéria-prima e no recurso maciço aos créditos estrangeiros. A crise revelou o fracasso das autoridades em aplicar reformas estruturais no momento em que o Estado colhia as receitas da venda do petróleo. Cientes dessas fraquezas, as autoridades russas falaram nos últimos meses em favor de uma diversificação e de uma modernização de infraestrutura.
Essas boas resoluções correm o risco de logo serem esquecidas. O estremecimento atual da economia tem uma única causa, a subida do preço do petróleo, que passou de US$ 33 em dezembro de 2008 para US$ 70 nos últimos meses. Quanto aos empréstimos feitos do exterior, eles secaram, o que sinaliza o fim do consumo desenfreado e dos projetos de desenvolvimento. "Vinte anos de tumultuosas mudanças em nosso país não mudaram sua humilhante dependência das matérias-primas. (...) Com raras exceções, nossas empresas não criam os bens e a tecnologia necessárias para a população", ressaltou recentemente o presidente Dmitri Medvedev.
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2009/09/17/ult580u3936.jhtm
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