O Plano Brasil 2022
Cristiano Romero
30/12/2009
O ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, trabalha em ritmo acelerado para entregar ao presidente Lula, até 30 de junho, o plano "Brasil 2022". O tempo é curto, mas o embaixador está confiante no cumprimento do prazo. Ele já conversou com cada um dos mais de 30 ministros e criou grupos de trabalho para cada área. O plano será submetido, por meio de seminário, a especialistas de quatro grandes áreas (de infraestrutura, social, econômica e institucional) e debatido com entidades da sociedade civil.
Cada grupo de trabalho tem quatro integrantes: um da SAE - a secretaria de Pinheiro Guimarães -, um do IPEA, outro do ministério em questão e um da Casa Civil, a quem cabe coordenar as ações de governo. Os grupos vão trabalhar, como informou o ministro a esta coluna, a partir do que já existe em termos de diagnóstico e mesmo de planejamento estratégico feito por equipes que o antecederam na SAE. Eles vão identificar metas e propor ações estratégicas para cada uma delas.
Haverá, por exemplo, uma meta de renda per capita. Em 2008, a renda brasileira foi de US$ 8,6 mil, para um PIB estimado de US$ 1,9 trilhão. Mencionando previsão publicada pela revista inglesa "The Economist", segundo a qual, o Brasil terá um PIB, pelo conceito de paridade do poder de compra (PPP, na sigla em inglês), de US$ 5,7 trilhões em 2025, o ministro diz que a renda de 2022 deve acompanhar essa evolução - como o IBGE projeta população de 212,4 milhões de pessoas em 2025, a renda per capita atingiria, nesse caso, US$ 26,8 mil (o equivalente hoje à da Eslovênia, segundo o Banco Mundial).
Fixar metas é, sem dúvida, uma novidade. Em geral, os planos de longo prazo formulados no país são meras cartas de intenção. Dessa vez, haverá metas setoriais a serem cumpridas até o não muito distante ano de 2022. Evidentemente, o plano em questão será uma peça política para o ano sucessório - no decorrer da campanha, o governo deixará claro que ele só será executado se o ganhador do pleito presidencial for a ministra Dilma Rousseff, a candidata de Lula. De qualquer forma, seja quem for o ganhador da eleição, encontrará uma proposta de trabalho em cima da mesa. Mal isso não faz.
É vital que o Brasil planeje ações de longo prazo. Dotado hoje de estabilidade política e econômica e reconhecidamente detentor de potencialidades, o país precisa pensar estrategicamente o futuro. Que país queremos ser? Uma potência exportadora de commodities agrícolas e minerais ou uma economia industrializada e inovadora? Pinheiro Guimarães diz que uma visão de longo prazo tem que contemplar três coisas: uma visão do mundo em 2022, outra da América do Sul e a terceira, naturalmente, do Brasil. A pedido desta coluna, ele refletiu sobre o ponto de partida: "o Brasil de hoje".
"A grande característica do Brasil não é a pobreza, mas as disparidades", diz o ministro. Disparidades de todos os tipos: regionais; entre cidade e campo; entre centro e periferia metropolitanos; de gênero; de origem étnica; de renda e de riqueza. "A disparidade de renda mencionada muitas vezes nos estudos, o índice de Gini e essas coisas todas, é baseada na renda do trabalho. Esquecem a renda dos aluguéis, dos juros e dos lucros. A disparidade de riqueza, portanto, é extraordinária."
O embaixador diz que, mesmo depois dos avanços dos últimos anos, o Brasil padece de vulnerabilidades em pelo menos cinco áreas. A primeira é política. "O Brasil não faz parte ainda dos principais mecanismos de decisão em nível internacional. Não faz parte do Conselho de Segurança da ONU, do G-8", pondera. Uma outra vulnerabilidade está na área de defesa. "O país não tem recursos militares suficientes para defender seu território do ponto de vista terrestre, marítimo e aéreo."
A terceira área onde há deficiências é a tecnológica. Pinheiro Guimarães lembra que, enquanto os Estados Unidos registram 40 mil patentes por ano, o Brasil inscreve apenas 500. Outra área em que o país é vulnerável, afiança o ministro, é no campo da ideologia, "do ponto de vista das ideias". "Temos conhecimento do mundo normalmente através dos olhos dos outros." Se quiser ler um livro sobre os EUA, o brasileiro é obrigado a recorrer a autores americanos ou ingleses. Se o tema é a Rússia ou a França, idem. "Raramente encontramos livros de uma visão brasileira de um tema qualquer. Nós nos vemos sob os olhos dos estrangeiros e damos muito valor a isso. Vemos os temas mundiais vistos do ângulo de outros interesses, mas não do ângulo dos interesses brasileiros."
A quinta vulnerabilidade seria de natureza econômica. Uma prova disso, diz o embaixador, é a necessidade que o país tem de atrair capitais. A poupança externa tornaria o crescimento do país vulnerável no médio e longo prazos.
As deficiências do Brasil não se esgotam aí. O embaixador sustenta, sem receio de polemizar, que o Estado brasileiro é "muito pequeno" se comparado ao de outros países ("Há 500 municípios sem médicos"); não há coordenação entre os diferentes níveis de governo nas áreas de saúde e educação; a Câmara dos Deputados é pequena e, por isso, pouco representativa ("Há uma campanha permanente contra o Congresso desde 1822").
Nacionalista e alinhado com as vertentes mais à esquerda do governo, Pinheiro Guimarães não vê necessidade de mudança da política econômica. Mas, para ele, a política econômica de Lula não se restringe ao tripé macroeconômico (superávit primário-câmbio flutuante-metas para inflação) vigente desde 1999. Ela é a combinação de três políticas: "a política do BC", a política dos bancos estatais e de empresas públicas como a Petrobras e a política dos programas sociais, que têm ajudado a criar um grande mercado de consumo no país.
Concorde-se ou não com as ideias do ministro, que, no novo cargo, tem evitado falar sobre política externa, sua primeira especialidade, não é recomendável ignorá-lo. Com suas ideias, ele influencia uma geração inteira de diplomatas e burocratas. Tem trânsito livre no PT, onde é muito admirado. Contendor do tipo incansável, é um inconformado com a visão de que o Brasil é um país fadado à segunda divisão das nações. "Dos dez maiores países do mundo em território, PIB e população, apenas três reúnem as três condições: EUA, China e Brasil", argumenta.
Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.
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