Medidas de urgência para o preço do arroz num país de carência crónica
O Governo de Timor-Leste anunciou o lançamento de medidas de urgência contra o aumento do preço do arroz, num quadro de carências alimentares crónicas.
Por Pedro Rosa Mendes
da agência Lusa
Algumas das medidas destinam-se a evitar uma situação de crise em 2009 e não têm impacto directo sobre a actual crise, agudizada por acontecimentos em 2006 e 2007.
Para a população timorense, o preço do arroz é o dado mais óbvio e doloroso das dificuldades quotidianas: o preço do principal género alimentar dos timorenses mais do que duplicou nos mercados da capital desde o início do ano.
Segunda-feira, o Conselho de Ministros timorense realizou uma reunião extraordinária para analisar as alternativas apontadas pelo grupo de trabalho criado pelo primeiro-ministro, Xanana Gusmão, para minimizar o impacto do aumento dos preços do arroz, do petróleo e dos materiais de construção na população.
"A subida dos preços do arroz e do petróleo a nível mundial vem-se reflectindo negativamente em Timor-Leste", constatou o Conselho de Ministros.
"Neste contexto, o primeiro-ministro (Xanana Gusmão) solicitou a um grupo de técnicos a apresentação de alternativas capazes de fazer face às necessidades urgentes e de médio prazo no plano da segurança alimentar, dos materiais de construção e do combustível", anunciou o Governo em comunicado.
"O Governo pretende assegurar que aqueles produtos não venham a faltar no país e que a subida dos preços não tenha um impacto negativo nas populações mais desfavorecidas", acrescentou o comunicado oficial.
As estratégias governamentais procuram aumentar a produção de arroz em 2008, "de forma a conseguir aliviar as carências do país em 2009", informou o Conselho de Ministros.
Não existem dados actualizados sobre a situação alimentar mas tanto o Programa Alimentar Mundial (PAM) como a Missão Integrada das Nações Unidas em Timor-Leste têm em fase de conclusão relatórios sobre o impacto do aumento do preço do arroz, a avaliação de carências de fornecimento e o previsível impacto na situação de segurança.
Um relatório elaborado em Setembro de 2007 pelo PAM e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), sobre a situação em Díli, revelou que existem 25 mil pessoas "em risco de vida" na capital, a necessitar de ajuda alimentar urgente.
O relatório indicou também que outras 40 mil pessoas estão em "risco de subsistência", numa cidade com cerca de 120 mil habitantes.
A actual crise do arroz é agravada por factores políticos e sociais que criaram situações de instabilidade em Fevereiro de 2007, com episódios violentos, sobretudo na capital.
Armazéns de alimentos foram atacados em Fevereiro de 2007 e a fúria popular foi dirigida contra viaturas e instalações das Nações Unidas e do Governo.
A existência de cerca de 100 mil deslocados, com origem na crise política e militar de 2006, a quebra de produção nesse ano e uma sucessão de desastres naturais e pragas no último ano e meio agudizaram a situação de Timor-Leste no contexto da crise regional e mundial de subida de preços dos cereais.
Além das consequências directas sobre uma larga população que não consegue pagar o arroz aos preços actuais, as condições específicas de Timor-Leste após a crise de 2006 aumentam o potencial de instabilidade no país mais pobre da região.
O relatório do PAM/FAO revelou que metade da população assistida com ração em Díli não está em situação de carência. Ao mesmo tempo, um igual número de pessoas com carência alimentar existe fora dos campos de deslocados.
Esta constatação levou a uma alteração de política por parte das agências humanitárias, com a redução faseada da distribuição alimentar a partir de Fevereiro e até Abril, com a concordância do Governo.
Como sublinhou o chefe da cooperação agrícola portuguesa em Timor-Leste, o agrónomo Miguel Nogueira, entrevistado pela agência Lusa, "o arroz não era tradicionalmente a base da alimentação da população".
"Passou a sê-lo sob a ocupação indonésia (após 1975), substituindo o milho, que era o cereal mais consumido no tempo colonial português", acrescentou o agrónomo português.
Miguel Nogueira afirmou que a situação de crise pode ser minorizada com a introdução ou expansão de outras culturas, sobretudo de amiláceos (cereais ricos em amido, como o arroz): o milho, a batata-doce, o inhame e a batata (que é produzida no país, "mesmo em pouca quantidade").
A crise do preço do arroz é, em Timor-Leste, agravada por condições de pobreza generalizada de uma população com carências alimentares crónicas.
Os dados disponíveis do PAM e da FAO indicam que 47 por cento das crianças timorenses em todo o país sofrem de malnutrição crónica e 42 por cento abaixo dos cinco anos de idade têm menos peso do que seria normal.
Timor-Leste tem um rendimento anual per capita de apenas 370 dólares norte-americanos e 40 por cento da população vive abaixo do limiar mínimo nacional de pobreza, que é de 55 cêntimos de dólar por dia, ainda segundo um estudo detalhado elaborado pelo PAM e pela FAO em 2006.
Cerca de um terço da população timorense experimenta regularmente carências alimentares.
Os períodos de penúria alimentar acontecem durante cerca de quatro meses todos os anos, de Outubro-Novembro a Fevereiro-Março, o período mais seco.
Desde 2002-2003, o país é atingido por secas persistentes, devido a períodos de chuvas irregulares, que provocaram colheitas pobres em 2003-2004 e 2004-2005.
Além de desastres naturais, vários distritos têm sido atingidos desde 2007 por uma praga de gafanhotos migratórios, que destruíram colheitas e desmotivaram muitos agricultores a plantar na última época.
Em média, uma família timorense gasta cerca de 60 por cento do seu rendimento em comida (75 por cento em famílias pobres).
http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=20975&catogory=Timor%20Lorosae
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