Tenho algumas conversas insólitas com meus alunos e ex-alunos, e algumas delas ficam registradas no msn. Todas as conversas são arquivadas, as conversas com um dos meus alunos já está no quarto arquivo. Muita besteira já foi dita.
Numa conversa com um aluno hoje, surgiu primeiro a questão das origens. E eu disse que quando perdemos as raízes é difícil voltar a se adaptar. E é fato, porque a lembrança que temos do passado é uma lembrança idealizada. Quando pensamos em voltar a determinado lugar, o que de fato procuramos é nós mesmo, é o eu que esteve um dia naquele lugar, mas ele jamis poderá ser reencontrado naquele local, porque a vida seguiu seu ritmo e já somos outro. Já não somos a mesma pessoa e nem as pessoas que nos cercam, ainda que tenham os mesmos nomes, as mesmas caras, são as mesmas. Portanto, planejar voltar a lugares para promover reencontros é uma missão sempre fracassada. Podemos viver novas e melhores experiências, mas serão outras. De certo modo, quem um dia sai de casa nunca mais retornará. A única coisa que pode fazer é levar a casa na mala. Nisto respondi a pergunta se sentia falta de Mato Grosso. Não sinto falta de lugares, ao menos da maior parte deles, a minha casa é onde estou e ali é o melhor lugar. Caso não seja bom é porque é hora de mudar. Detestei Campinas. Campinas, então, nunca foi minha casa, sempre pensei na hora de ir embora.
Daí a conversa passou para o valor das experiências passadas. A idéia que se aprende com a experiência é uma idéia equivocada. Aprender vc aprende com as experiências dos outros, com as suas, vc sofre. E na maioria das vezes a dor não representa aprendizado, o aprendizado está na reação à dor, na resposta que se dá a dor. Se for dada a resposta errda, se reagir equivocadamente, a memória que ficará será a da dor, e portanto, será um fator amendrontador, imobilizante. A depressão é o resultado de uma resposta equivocada à dor, é a dor que imobiliza. O sofrimento não torna ninguém sábio.
A conversa seguiu para sobre as possibilidades de mudar o mundo. É bom que as pessoas queiram mudar o mundo, mas em geral o que querem mesmo é mudar o seu mundo. E dado o individualismo contemporâneo, que se expressa no consumismo, não vêem qualquer restrição a sua realização, se puderem consumir são livres. Também não vêem sentido na ação social e na história, são niilistas, deve-se aproveitar o momento, porque a única coisa que existe é o instante, o momento. E se apenas o instante existe não há passado nem futuro, não laços que nos liguem com a sociedade, não há laços que nos liguem aos outros. Estas ligações duram apenas enquanto são prazeirosas. Não é de se estranhar a quantidade de mães abandonando os filhos no carro para irem para balada. O filho é um estorvo porque a tira do instante, o filho a conecta com o passado e o futuro. Deixá-lo é jogar-se no instante, onde nada importa além do prazer. Qualquer risco para o filho é ignorado porque vai se jogar apenas um instante no instante, as conseqüências não importam. Na sociedade do instante temos apenas indivíduos egocêntricos incapazes de se sacrificar pelo outro, ou pelos outros. Freud explicou que a civilização dependia da contenção dos impulsos do indivíduo. Norbert Elias construiu toda a sua teoria da história do processo civilizador baseado na idéia da contenção dos impulsos. Contenção que visava um fim maior. Hoje não fim nenhum, nada é considerado tão importante que valha o nosso sacríficio. O resultado é liberação dos impulsos e o retrocesso social. Rosa Luxemburgo dizia socialismo ou bárbarie, estamos cada vez mais próximos da bárbarie.
Vivemos numa época tão vazia que a própria violência foi esvaziada. Antes a violência tinha sentido, a violência encarnava um ideal, uma decisão existencial profunda de comprometimento com o outro. Hoje o símbolo maior da violência e do seu vazio de significado é a violência praticada periodicament epor jovens americanos que entram na sua escola atirando a esmo. Ou alguém que numa discussão de trânsito pega a sua arma e mata o outro. Nem a violência resistiu ao niilismo contemporâneo.
Claro que isto porque a racionalidade individual hoje predomina. Caso esta etapa histórica seja superada, e retomemos a racionalidade coletiva que de certo modo um dia foi encarnada pela razão de Estado, o mundo ainda pode ser recuperado.
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