As três vertentes da política externa de Hugo Chávez
Corival Alves do Carmo*
Apesar de a mídia apresentar a política externa de Hugo Chávez apenas como retórica, ela é resultado de uma estratégia que reconhece os diferentes interesses da Venezuela. A política exterior venezuelana não é uniforme e apresenta ao menos três vertentes distintas resultantes não só da posição que o país ocupa no sistema internacional, mas também dos objetivos a serem alcançados. Sendo primeira, a confrontação com os EUA; a segunda, a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), na qual a Venezuela coloca-se na posição dominante; e a terceira, voltada para relações com o Brasil e o Mercosul, buscando, apesar da eventual retórica, a conciliação.
Sobre a primeira vertente, dado o grau de dependência da economia venezuelana em relação ao petróleo, e conseqüentemente em relação aos EUA, é impossível desenvolver um projeto de reestruturação da economia e um reposicionamento no sistema internacional sem uma confrontação com o governo norte-americano. Isso porque, ainda que Chávez não quisesse modificar a posição dos Estados Unidos como principal parceiro comercial da Venezuela, reestruturar a economia implicaria desalojar do poder os aliados dos EUA na Venezuela. Aqui estamos diante da situação típica retratada pela teoria da dependência na qual a dependência se sustenta e se reproduz a partir de dentro.
Por outro lado, confrontando os EUA, Chávez correria o risco de ficar isolado no sistema. Logo aparece a segunda vertente com a apresentação da ALBA. A ALBA seria um projeto de integração pautado pela ideologia da Venezuela chavista, portanto com baixa capacidade de atração sobre os grandes países da região. Os únicos países que se voltam para a ALBA são aqueles que necessitam da ajuda de Chávez na área energética ou mesmo financeira. A ALBA, então, permite que a Venezuela atraia um grupo de países para sua área de influência e, dentro deste bloco, se coloque como o Estado mais importante. De fato, essa alternativa se apresenta como um projeto para a Bacia do Caribe e para a América Central. Deste modo, disputa tanto a influência dos EUA e do México na região quanto, ao mesmo tempo, gesta uma base de apoio.
As evidências de que os EUA e o México sentiram esse golpe foram que o governo mexicano propôs à América Central um projeto de integração (Plan Puebla-Panamá) e os EUA mostraram-se interessados em desenvolver biocombustíveis na mesma região. A diferença é que o governo Chávez tem sido muito mais eficaz em apresentar soluções para os urgentes problemas energéticos da região, mantendo, assim, os países interessados em sua órbita. Um exemplo de uma iniciativa desse mesmo teor foi a criação da Petrocaribe que comercializa petróleo em condições favoráveis para os países membros.
Entretanto, o apoio dos países da ALBA não é suficiente para sustentar o governo Chávez internacionalmente, surgindo, assim, a terceira vertente. A Venezuela precisa buscar apoio junto ao Brasil, à Argentina, ou, de modo mais geral, necessita aproximar-se do Mercosul. Exatamente porque os EUA apontam o governo brasileiro como a esquerda correta, consistindo em um contraponto à Chávez, é do interesse do governo venezuelano ter o Brasil como aliado, ainda que Lula não encampe a retórica mais agressiva do presidente venezuelano e adote uma posição mais pragmática e menos ideológica em relação à integração sul-americana. Do ponto de vista da estrutura econômica da Venezuela, também é importante vincular-se ao Mercosul. O programa de integração de Chávez, tanto no aspecto energético quanto no financeiro, funciona como um instrumento para criar um mercado alternativo e estável para o petróleo venezuelano.
A integração visa também a continuidade do projeto chavista, independente de quem esteja no comando venezuelano. Na atual condição política da Venezuela, mesmo um aliado de Chávez teria dificuldade em manter o projeto de reestruturação econômica devido à força dos grupos que sustentam a aliança econômica com os EUA. O sucesso da integração sul-americana funcionaria, portanto, como um freio a qualquer programa que visasse um retrocesso no projeto bolivariano.
Esta mesma postura está presente nas relações com a Colômbia. O interesse de Chávez em negociar a libertação dos reféns em posse das FARC visa apresentar uma possível solução para um problema que aflige a região - e a Venezuela, em particular, devido aos refugiados colombianos que atravessam suas fronteiras - e, maior legitimidade internacional. A solução pacífica do conflito colombiano com a mediação de Chávez apontaria para a viabilidade do seu projeto para o conjunto da região e enfraqueceria seus principais antagonistas, Álvaro Uribe e George W. Bush. Isto explica a posição de Uribe no caso do Equador buscando o confronto. E a reação de Chávez, porque viu atacado tanto um aliado da ALBA quanto sua proposta de solução negociada do conflito colombiano.
* Corival Alves do Carmo é bacharel em Ciência Política e Relações Internacionais pela UnB. Mestre e doutorando em Economia pela UNICAMP. Professor e coordenador do curso de relações internacionais do UNIBERO.
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