"Desde mi punto de vista –y esto puede ser algo profético y paradójico a la vez– Estados Unidos está mucho peor que América Latina. Porque Estados Unidos tiene una solución, pero en mi opinión, es una mala solución, tanto para ellos como para el mundo en general. En cambio, en América Latina no hay soluciones, sólo problemas; pero por más doloroso que sea, es mejor tener problemas que tener una mala solución para el futuro de la historia."

Ignácio Ellacuría


O que iremos fazer hoje, Cérebro?

domingo, 4 de novembro de 2007

Capitalismo é isso!!!!!

Bagdá - A empresa Blackwater é paradigmática de uma nova forma de capitalismo. Lembre-se: trata-se da empresa de segurança da qual os Estados Unidos terceirizam a proteção de sua embaixada e de altos funcionários no Iraque. São mais de mil profissionais, em sua maioria procedentes das forças especiais e dos serviços de inteligência, que foram os causadores de numerosas mortes injustificadas de civis iraquianos. Recentemente, enquanto escoltavam um comboio diplomático, sem causa aparente, abriram fogo indiscriminado, mataram e feriram dezenas de civis e destruíram 14 veículos.
Essa é a versão do Governo iraquiano, gravada em vídeo, e também das testemunhas presenciais. Versão que não é aceita pela embaixada norte-americana, embora tenha aberto uma investigação. Porém, o Congresso dos Estados Unidos também abriu uma investigação cujas primeiras audiências condenam as práticas de Blackwater. Não é a primeira vez que matam por matar. De fato, a empresa possui imunidade assegurada mediante uma ordem especial assinada por Bremmer, o chefe da ocupação norte-americana, no dia anterior à transferência da soberania ao Iraque. Blackwater utiliza a imunidade fazendo o que quer, sem controle, saindo do país quando surgem problemas. Nas mesmas condições estão outros 20.000 agentes de segurança privada de outras empresas que trabalham no Iraque. Por que os Estados Unidos os defende com tanto afinco e, sobretudo, por que os emprega? Trata-se da última fronteira da privatização: privatizar o exército e a polícia, o que na história recente era o domínio reservado do Estado. E não é pelo fato de sair mais barato.
Os agentes de Blackwater cobram 1.200 dólares por dia, ou seja, 9 vezes mais do que cobra um sargento das forças especiais norte-americanas onde eles trabalhavam anteriormente. Indagando pelas razões deste desperdício, entramos em um terreno tão escabroso quanto pouco conhecido. Por um lado, as agências de segurança privadas (e isto vale também para os guardas de muitas cidades em nosso país) têm bem menos controles internos que as forças públicas de segurança. São mais flexíveis e se prestam a missões e atividades que o exército não aceita, tanto pelo seu profissionalismo quanto porque existe um sistema de justiça militar que atua quando necessário. Por tanto, o próprio Governo prefere gastar mais para escapar dos mecanismos de fiscalização legal. De fato, a contabilidade dos contratos com os terceirizados privados no Iraque, da segurança à construção e da manutenção das infra-estruturas ao catering para as tropas, é uma área escura da qual surgiram múltiplos escândalos de corrupção nos últimos meses.
Aqui aparece a segunda e a mais importante razão da defesa dos terceirizados de qualquer tipo: os enormes lucros que estas empresas obtêm da guerra. E são empresas com vínculos diretos com oficiais militares (alguns já foram a juízo por corrupção) e com influentes políticos, como é o caso do vice-presidente Cheney e da empresa Halliburton.
De modo que, enquanto a atenção de todo o mundo estava concentrada no negócio do petróleo como fator explicativo da guerra do Iraque, o maior negócio é na realidade a própria guerra, ainda que seja à custa da ruína do contribuinte norte-americano (o custo da guerra se aproxima já ao trilhão –12 zeros– de dólares, ou seja, aproximadamente 10% do produto interno bruto dos Estados Unidos).
Contudo, o paradigma ao qual me refiro tem maior peso. Noemi Klein acaba de publicar um livro polêmico que já recebeu elogios de destacados analistas, incluindo Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia e antigo diretor econômico do Banco Mundial. O livro, A ascensão do capitalismo do desastre, propõe uma tese inquietante a partir de uma abundante documentação que inclui, entre outros casos, a guerra do Iraque e a destruição de Nova Orleans pelo furacão Katrina.
Uma forma de expansão do capitalismo, que necessita constantemente abrir novas oportunidades de negócio, é superar os limites impostos por regulações estritas herdadas da história e impostas pela sociedade e pela política: controles legais, direitos sociais, legislação meio-ambiental, planos de usos do solo, normas de segurança das infra-estruturas básicas e demais mecanismos de subordinação da lógica do mercado aos valores da sociedade. Por isso as situações de desastre como guerras, catástrofes naturais ou colapso político-institucional, abrem novos campos de possibilidades, começando do zero, com novas regras e com novas oportunidades de negócio para os que se situam nestas novas fronteiras livres de controle institucional, enquanto dura essa fase de transição. E não se trata de anedotas, mas sim de negócios gigantescos que representam uma base de acúmulo que se prolonga na criação de novos impérios financeiros.
Embora não esteja no livro de Klein, tal foi, por exemplo, minha observação da formação da nova oligarquia capitalista russa aproveitando a privatização massiva (de fato, a espoliação sem controle) do que era a riqueza pública (ou seja toda) da Rússia durante a transição democrática. A reconstrução de regiões devastadas no mundo está repleta de apropriação da ajuda internacional por burocracias corruptas. Tratar os problemas urbanos criados pela concentração de população nas áreas metropolitanas do mundo é um grande negócio para consultores e empresas de engenharia e de obras públicas que podem impor suas condições mais facilmente quando há um terremoto, uma epidemia ou uma explosão que obrigam os governos a tomarem medidas urgentes.
As situações de emergência autorizam gastos públicos de emergência que criam mercados ou permitem a privatização de programas de saúde, educação, infra-estruturas ou segurança em uma escala que não seria pensável em uma situação normal. A idéia não é que o capitalismo provoque catástrofes para melhorar, mas que, simplesmente, melhore com as catástrofes. E, às vezes, condiciona, encarece e prejudica, em prol de um benefício privado imediato, os processos de reconstrução que tentam atenuar os dramas de nosso tempo.
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Manuel Castells
Sociólogo espanhol mais conhecido e reconhecido internacionalmente

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