O governo Lula termina com sua popularidade atingindo o auge. E, apesar disso, há uma polarização muito grande em torno de Lula e seu governo. Os antipetistas militantes, a direita militante, que esperavam um fracasso retumbante do governo Lula foram colocados para escanteio pela dinâmica política vivida pelo Brasil nos últimos anos. Esperavam vencer as eleições de 2006 no bojo do mensalão e estavam tão certos disso que nem se preocuparam em escolher um candidato viável, de expressão nacional. Derrotados, com o encolhimento do candidato de oposição no segundo turno, esperavam que Lula fosse um governante débil durante todo seu segundo mandato, que fosse colocado nas cordas e refém dos outros atores políticos. Entretanto isso não ocorreu, livre das principais lideranças petistas que deixaram o governo pelos escândalos no primeiro governo, Lula parece ter sentido livre para seguir as escolhas pessoais, agir de acordo com o seu feeling e não de acordo com as estratégias definidas pelo staff petista. Com isso, ao contrário do que a oposição esperava, Lula retomou a iniciativa política, saiu do córner, e colocou lá a oposição que em nenhum momento soube como reagir ao peso da popularidade do governo Lula. De fato, o governante aprovado de forma retumbante pela população é o Lula do segundo mandato. Entretanto, a polarização política não diminui, os grupos minoritários foram crescentemente adotando uma posição sectária e por terem grande controle da grande mídia ganham uma repercussão muito maior do que a sua expressão social. Na grande mídia, a massa de eleitores e apoiadores do governo não têm voz, estão calados, quando são lembrados é para mostrar como foram iludidos pelo governo e que são incapazes de avaliar se a sua vida melhorou ou não durante o governo Lula. Neste quadro de polarização é difícil fazer um balanço realista sobre o legado do governo Lula.
O governo Lula mudou estruturalmente a economia brasileira? Encaminhou uma mudança estrutural da economia brasileira? Não. E este é seu maior pecado. Das promessas de campanha do PT ao longo do tempo, o descumprimento desta é que o efeito mais nefasto. Houve uma passividade muito grande, aceitou-se o status quo, e procurou-se aproveitar o máximo possível os frutos que ele pode proporcionar num período favorável da economia mundial. A escolha de Antonio Palocci para ministro da Fazenda no primeiro mandato e a permanência de Henrique Meirelles durante todo o período Lula no Banco Central favoreceram a opção por uma política minimalista, sem grandes objetivos além do controle da inflação. No segundo mandato, houve ações mais complexas, mas ainda de baixa impacto, sem mudanças estruturais.
Sendo assim, também não se pode dizer que o governo Lula tenha alterado a inserção econômica internacional do Brasil. Ao contrário, ela foi reforçada. E o pior que foi reforçada por um erro de diagnóstico. Antes de chegar ao poder, o PT mostrava certa ilusão em relação asa possibilidades de integração com a União Europeia. Esperava-se que uma integração Mercosul-União Europeia ocorresse de acordo com os valores que pautaram a integração na Europa, o que faria com este fosse muito melhor não apenas do ponto de vista econômico e comercial, mas também, político, ético em relação à integração com os EUA. No poder, o governo petista constata que uma aproximação com a União Europeia não seguirá o modelo idealizado. Mas ao invés de abandonar o idealismo de qualquer natureza, houve uma idealização da China, do seu papel nas relações internacionais e na economia mundial. Então ao invés de agir para se proteger da China, o Brasil se expôs, favoreceu uma maior “commoditização” da economia brasileira e da pauta de exportações do país ao aprofundar as relações com a China. Nada de inovador. Especialmente para um país que atuou fortemente na OMC.
Alguns intelectuais próximos ao governo argumentam, defendendo o governo, que o discurso liberal do governo na OMC nunca foi para valer, não se desejava de fato uma liberalização, mas impedir o avanço das negociações para o Brasil não ter que abrir os seus mercados. Ou seja, a defesa da liberalização dos mercados de produtos agrícolas dos países ricos não significaria que o Brasil tenha feito uma opção por uma inserção econômica internacional subalterna, mas serei uma tática. Entretanto, o padrão de relações com a China torna difícil aceitar este argumento. O Brasil favoreceu a exportação de bens de baixo valor agregado e não defendeu a indústria nacional exceto com algumas políticas circunstanciais.
Por outro lado, as ações do governo Lula nos fóruns internacionais deram uma importância ao Brasil que ele nunca havia tido. Se do ponto de vista econômico, o governo não mudou em nada a inserção internacional do país. Do ponto de vista político, e portanto, conjunturalmente, o governo deu um status ao Brasil que ele nunca teve. Sempre se dizia do Brasil ser um global trader por ter um comércio exterior distribuído entre as diferentes regiões do mundo. Hoje o governo Lula fez do Brasil um global player na política internacional, o Brasil deixou de ser meramente um ator regional para ter peso na política internacional, ainda que este papel encontre um limite claro no fato do Brasil não ser uma grande potência militarmente. E por isso, este papel político do Brasil pode ter sido apenas um movimento conjuntural e não uma mudança estrutural da posição do Brasil na política internacional. A consolidação desse novo papel do Brasil na política internacional dependerá muito da política externa adotada pelo governo da presidente Dilma Roussef, se o ativismo do período Lula-Amorim-Garcia não for mantido, a projeção política internacional do Brasil será esvaziada.
A retirada de milhões de pessoas da pobreza é avaliada como a maior conquista do governo Lula e as políticas sociais se colocam como o principal avanço do governo. Entretanto, estas conquistas foram realizadas por políticas de complementação de renda, que são importantes e resolvem de imediato o problema das famílias, e em termos locais geram até mesmo algum dinamismo econômico. Entretanto, a máquina de gerar pobreza que é a economia brasileira não foi desmontada, não foi reconstruída sobre outras bases, sendo assim, não se pode dizer que esta foi uma conquista definitiva, dependem diretamente da capacidade do governo destinar recursos orçamentários para esta finalidade, e é improvável que a capacidade do governo fazer isso continue se ampliando no futuro. Portanto, um desafio para o governo de Dilma Roussef é fazer com que esta mudança de nível de renda deixe de ser uma conquista apenas da política social, mas se torne uma conquista de uma nova dinâmica da economia brasileira.
A corrupção foi um problema no governo Lula? Foi, mas não me parece ter sido um problema maior do que foi nos governos anteriores. A corrupção agora teve mais impacto midiático em função dos segmentos minoritários e sectários antipetistas terem um controle muito grande da grande imprensa. Apenas a militância antiLula e antiPT da revista Veja já é suficiente para dar uma dimensão maior ao que ocorre no governo. Alguém pode argumentar, que nos anos 90, as redações estavam impregnadas de petistas e que os políticos do PT abasteciam a imprensa com denúncias. Isso é verdade. Entretanto, as divergências políticas não geraram nem uma polarização radicalizada e sectária, e nem a divergência ideológica foi transformada em um discurso de princípios contra a pessoa do presidente FHC nem contra o PSDB como ocorreu no governo atual. A corrupção no governo FHC não foi em nenhum momento tratada como algo intrínseco ao FHC e ao PSDB como se faz em relação ao Lula e o PT. Neste sentido, a corrupção no governo Lula foi superdimensionada em função das características que a luta política assumiu no governo Lula por parte da oposição e do PT. A oposição no governo FHC também não tinha voz e espaço no Congresso, era minoritária, mas a imprensa não se colocou no papel de oposição como setores da imprensa se colocaram quando a oposição parlamentar ficou enfraquecida. Por outro lado, o combate à corrupção foi subdimensionado no governo Lula, as operações sistemáticas da Polícia Federal no país todo não podem ser ignoradas e não foram apenas midiáticas ou violaram a democracia como muitas vezes se insistiu em dizer para não reconhecer os méritos no combate à corrupção por parte do governo Lula.
Diante do legado do governo Lula, os desafios principais do governo Dilma seriam:
1. Iniciar a mudança estrutural da economia brasileira e de sua inserção internacional, modificando entre outras coisas, a pauta de exportações;
2. É urgente resolver a questão cambial no Brasil, seria um ótimo momento para se introduzir o controle cambial.
3. Consolidar a mudança da posição do Brasil na política internacional;
4. Tornar estrutural, a mudança de faixa de renda de amplas camadas da população ocorridas através de políticas de transferência de renda;
5. Reagir ao avanço chinês na América do Sul aprofundando a integração econômica, política e a internacionalização das empresas brasileiras.
6. Aprofundar a Unasul, e definir claramente o papel do Mercosul na política brasileira para a América do Sul diante do desenvolvimento dos novos projetos.
7. Definição de uma política realista em relação aos Brics, especialmente agora que se criou um acordo a partir desta temática e se convida a África do Sul. É preciso ter claro que a China não é a mesma coisa que os demais, e num outro nível a Rússia também não.
8. É impossível a Dilma fazer um governo que seja percebido pela população como melhor do que o do Lula por causa do mito que se criou em torno dele, mas ela não pode ser uma decepção, um anticlímax.
Ainda que tenha dito que não está pensando em ser candidato, é muito improvável que o Lula não seja candidato em 2014. O cenário teria que mudar muito, o governo Dilma ser avaliado melhor do que o dele, se descobrir vários casos de corrupção envolvendo diretamente o ex-presidente, ou ainda ser acometido de uma grave doença que inviabilize permanecer na vida pública. Fora destas situações improváveis, Lula deve ser candidato em 2014. E se for seguido script normal em política, Dilma fará ajustes e correções que podem ser conjunturalmente impopulares e Lula colherá os frutos. De todo modo, ao fim da longa era Lula, do ciclo político presidencial de Lula e do PT iniciado em 1989 e concluído em 2014, 2018, ou 2022 (no cenário atual de estabilidade política que o Brasil vive há alguns anos seria bastante provável), o Brasil não será o mesmo.
Um comentário:
Excelente avaliação!
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