Quinta-Feira, 10 de Julho de 2008 |
O risco das agências
O sinal de alerta poderia ter soado, antes da crise financeira iniciada no mercado de hipotecas, se as grandes agências de classificação de risco tivessem cumprido seu papel e evitado conflitos de interesse, concluiu depois de dez meses de investigação a Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos. Títulos de baixa qualidade, os famigerados subprime, ganharam a classificação máxima, AAA, e foram apresentados como atrativos e seguros a investidores desprevenidos. Segundo uma analista citada na investigação, a metodologia usada por sua agência não identificava nem metade do risco de um determinado papel. Esse título, de acordo com a profissional, "poderia ter sido estruturado por uma vaca" e ainda assim teria recebido a classificação. Esse comentário aparece num dos e-mails coletados pelo pessoal da SEC e mencionados no relatório.
A investigação foi centrada nas três maiores agências - a Standard & Poor?s, a Moody?s Investors Service e a Fitch Ratings - e deve servir de base a um novo conjunto de regras preparado pela comissão. As novas normas, segundo se informou, deverão prevenir conflitos de interesse, proibindo funcionários de agências de fornecer consultoria sobre a estruturação de ativos financeiros e, ao mesmo tempo, trabalhar na classificação dos papéis.
As agências avaliam não só a qualidade dos títulos e a credibilidade de empresas, mas também a confiabilidade financeira de países. Duas das maiores, a Standard & Poor?s e a Fitch, elevaram o Brasil ao grau de investimento, em abril e em maio deste ano. Duas menos conhecidas, a japonesa R&I e a canadense DBRS, também concederam a promoção.
O governo brasileiro passou anos à espera dessa classificação, reclamando sempre de uma severidade não demonstrada em relação a países com menor segurança política, menor estabilidade monetária e maior vulnerabilidade nas contas externas. Mas a reclassificação foi recebida com demonstrações de entusiasmo pelas autoridades, embora o mercado financeiro se tenha antecipado no reconhecimento dos progressos alcançados pelo País.
As conclusões da SEC foram divulgadas em Nova York na terça-feira. No mesmo dia, em Bruxelas, ministros de Finanças da União Européia defendiam maior controle das agências de classificação e maior concorrência no setor. Os ministros concordaram em apresentar em outubro um novo esquema de regulação das agências. A Comissão Européia deverá tomar essa iniciativa, afirmaram, porque nenhuma solução vigorosa foi produzida a partir das discussões entre supervisores ou entre representantes do setor financeiro.
Além do conflito de interesses, o relatório da SEC aponta outras falhas nos procedimentos das agências. Os negócios no setor imobiliário americano expandiram-se velozmente a partir de 2002. As agências, no entanto, não contrataram pessoal suficiente para dar conta do aumento de trabalho. Sobrecarregadas, passaram a operar com menos cuidado na avaliação dos papéis e, além disso, deixaram de acompanhar com a atenção necessária o desempenho dos títulos classificados. Em agosto do ano passado, quando a turbulência já dominava o mercado de hipotecas, o presidente do Comitê Bancário do Senado americano, Christopher Dodd, cobrou do governo maior atenção ao trabalho das agências de classificação. "Obviamente", afirmou o senador, "há um problema intrínseco, se as agências são pagas pelas mesmas pessoas que elas devem classificar."
A investigação da SEC foi concentrada num período relativamente curto, marcado pela bolha imobiliária americana. Mas o desempenho das agências vem sendo criticado há muito mais tempo. Falharam em 1994, enquanto a economia mexicana avançava no rumo de uma grande crise. Falharam de novo na crise de 1997, na Ásia. Depois disso, passaram a ostentar uma grande severidade em relação a alguns emergentes, como o Brasil, mas não conseguiram evitar novos e grandes erros, como ficou provado na crise dos títulos subprime. Agências de avaliação de risco podem ser úteis, mas sua influência tem sido amplamente desproporcional à qualidade de sua avaliação e à sua competência para prevenir desastres.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080710/not_imp203492,0.php
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