O Estado de São Paulo
Assunto: Internacional
Título: 1v Países discutem veto à bomba de cacho
Data: 25/05/2008
Crédito: Mariana Della Barba
Produtores da arma que põe civis em risco, Brasil e EUA ignoram encontro na Irlanda que reúne outras 116 nações
Mariana Della Barba
Um objeto que lembra uma inofensiva latinha de refrigerante é a razão pela qual representantes de mais de 100 países estão reunidos em Dublin, na Irlanda.
A maioria deles quer banir de vez ouso desse armamento, chamado bomba de cacho, que esconde uma perigosa munição.
Ainda no ar, a bomba abre um compartimento que abriga dezenas ou centenas de submunições. Essas "bombinhas" são lançadas de maneira aleatória e deveriam explodir com o impacto com o solo. Nesse ponto residem os principais problemas da bomba de cacho, também chamada de cluster.
Lançadas sobre áreas com distância equivalente a quatro campos de futebol, elas não caem atingem um alvo específico. Essa falta de precisão faz com que civis tornem-se alvos tanto como os combatentes, uma vez que casas, escolas e
plantações acabam sendo atingidas. O segundo ponto negativo é que boa parte das munições de cacho - até 40% - não explode ao tocar o solo. Assim como as minas terrestres, elas ficam ativas até serem encontradas, o que pode ocorrer até
décadas após o fim de um conflito e por alguém que não nunca carregou um fuzil.
"As bombas de cacho precisam ser proibidas, pois causam danos terríveis por anos a fio, e quem paga o preço é a população civil", disse ao Estado, por telefone de Dublin, Peter Herby, chefe da unidade de armamentos do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
O que costuma ocorrer é que civis que voltam para suas casas após a guerra encontram suas cidades infestadas de submunições prestes a explodir.
"No Líbano, após a guerra entre Israel e o Hezbollah, em 2006, munições das bombas de cacho ficaram presas a árvores. Na época da colheita, agricultores chacoalharam suas oliveiras, mas, em vez de azeitonas. caíam bombas", conta Frida Berrigan, especialista em segurança do instituto New America Foundation.
Após a guerra de 2006, mais de 200 libaneses morreram por causa das minibombas. Em 1999, em Kosovo, e em 2003, no Iraque, esse tipo de bomba matou mais civis que qualquer outra arma, segundo a organização Coalizão Internacional contra a Munição de Cacho, que reúne 200 organismos de sociedade civil de vários países.
Cerca de 60% das vítimas das munições são crianças, que as confundem com objetos que podem virar brinquedo. "No Afeganistão, essas munições são pintadas de amarelo brilhante, o que atrai ainda mais as crianças", diz Frida. Um outro problema torna ainda mais grave o uso da bomba. "Exércitos ou milícias sabem onde enterraram minas e passam essa informação quando há um acordo de paz. Com
as bombas cacho, isso não é possível, pois ninguém sabe exatamente onde elas caíram."
DECISÃO
Até o dia 30, os 116 países reunidos em Dublin terão de alcançar um acordo para banir ou regulamentar o uso da bomba de cacho - criada na Guerra, Fria para destruir, ao mesmo tempo, vários alvos militares. "Países como Grã-Bretanha, França e Espanha pedem exceções, ou seja, a autorização para usar bombas com novas tecnologias (que as tornariam auto-explosivas) ou um tempo de transição", explica o brasileiro Cristian Wittmann, que participa como representante da sociedade civil na conferência na Irlanda e é coordenador no País do setor de munições de cacho da Campanha Internacional pelo Banimento de Minas Terrestres.
Para Herby, as negociações estão indo bem, mas há alguns obstáculos: "De 60% a 70% dos países participantes querem uma proibição total das bombas de cacho. Mas há os 30% que querem a liberação de certos tipos."
"A reunião é uma ótima oportunidade para avançarmos, mas enquanto os EUA não aderirem, os resultados serão parciais", diz Frida. "Espero que a conferência pressione países como o Brasil para que pensem nos aspectos morais e políticos dessa bomba."
0 recado de Frida para o Brasil vem do fato de o País recusar-se a participar da conferência em Dublin é, mais do que isso, ser um produtor de bombas de cacho (apenas outras 27 nações continuam fabricando a arma). "O governo brasileiro tem uma posição completamente contraditória, porque reconhece os danos que as bombas provocam, mas são contra a proibição", afirma Wittmann. Do continente todo, só os governos do Brasil e dos EUA não estão em Dublin - os
dois únicos países das Américas que continuam produzindo as bombas. Chile e Argentina deixaram de fabricá-las. Dados sobre armazenamento e fabricação da bomba no País são sigilosos e estratégicos, como explicou o brigadeiro Jorge Cruz de Souza Mello numa audiência na Câmara dos Deputados, em novembro.
Mello defendeu o uso da arma como opção de emprego de munição.
Segundo um relatório de abril da Human Rights Watch (HRW), há quatro empresas
brasileiras que fabricam a bomba - para o Exército e para exportar para o Oriente Médio. Presente na lista da HRW, a Avibrás garantiu ao Estado que não produz mais esse tipo de bomba. A Ares negou-se a dar a informação sobre o tema.
"Como um líder dos emergentes, o Brasil tem sido muito irresponsável ao fugir das discussões e seguir produzindo bombas de cacho", diz Frida.
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