Transcrevo abaixo dois trechos do livro Teologia da Esperança do teólogo protestante alemão Jürgen Moltmann. O subtítulo de onde os dois trechos foram retirados intitula-se "A esperança frustra a felicidade do ser humano no presente?" No primeiro trecho está exposta a posição dos críticos, no segundo trecho, o autor apresenta a visão da esperança cristã.
A especificidade de Moltmann e que será incorporada à outras correntes teológicas é que a esperança deve ser sentida e vivida na história, realiza-se na história. A chave fundamental para toda ação política de longo prazo é ser capaz de alimentar e realimentar a esperança, a capacidade de lutar por algo que não se tem apesar de todas as desventuras que se vive. Todas as utopias se alimentaram disso e se esvaem na medida em que são incapazes de renovar a esperança. A crise do nosso tempo é a crise da esperança. Com todos os valores em xeque já não se realiza a renovação da esperança, e os indivíduos crescentemente substituem a esperança pelo consumo. Só se dispõe a sacrificar o presente, inclusive o consumo, quem tem esperanças no futuro. na sua ausência procura-se experimentar o prazer do momentâneo antes que seja tomado pelo vazio da existência. Qualquer coisa é usada para encobrir o vazio da existência sem esperança e sem futuro. A esperança neste sentido é uma forma de resistência, de enfrentar o mundo que cada vez mais se mercantilização e esvazia o significado da existência. Crescentemente viver é apenas consumir. Recuperar a esperança é pôr um freio neste processo. É retomar a construção do futuro e do domínio da história pelo homem. É uma pena que todos os grandes projetos sociais e mesmo o cristianismo estejam sendo esvaziados e a esperança esteja definhando. Como disse Marx no Manifesto Comunista tudo que é sagrado será profanado, tudo que é sólido se desmancha no ar. Há uma crescente mercantilização das religiões que as tornam vazias de significado do cristianismo, passado pelo budismo e hinduísmo, até o islamismo. Religião se associa cada vez mais a um padrão de consumo do que a uma forma de vida e existência. E quanto mais a religião é despida de seu papel de baluarte da esperança mais espaço para o fanatismo. O fanático opõe-se à esperança. O fanático é o desesperado. Mas por mais que o mundo não dê sinais de renascimento da esperança é preciso ter esperança, e ter esperança é acreditar na vida sempre, ainda quando estamos diante da morte.
Os críticos:
"A mais séria objeção contra uma teologoia da esperança não provém da presunção nem do desespero - pois essas duas atitudes da existência humana pressupõem a esperança -, mas opõe-se à esperança a partir da religião da humuilde aceitação do presente: não é somente no presente que o ser humano é alguém, uma realidade, um contemporâneo de si mesmo, alguém em harmonia com o mundo, uma pessoa determinada? A lembrança o agrilhoa ao que passou, ao que não existe mais; a esperança o atira ao futuro, ao que ainda não existe. O passado o faz lembrar-se de ter vivido, mas não o leva a viver; o faz lembrar-se de ter amado, mas não o leva a amar; o faz lembrar-se dos pensamentos dosoutros, mas não o leva a pensar. Fato semelhante parece dar-se em relação à esperança: ele espera viver, mas não vive; espera um dia tornar-se feliz, e esta espera faz com que o indivíduo passe ao largo da felicidade do presente. Ao se lembrar e ao esperar, ele jamais estará inteiramente dentro de si mesmo ou em seu presente; corre sempre atrás dele ou se antecipa a ele. As lembranças e as esperanças parecem frustá-lo quanto à felicidade de existir indivisamente no presente. Elas o privam de seu presente, arrancam-no e o lançam para tempos que não existem mais ou ainda não existem. Elas o entregam ao não-existente e o abandonam ao nada. Pois tais ocorrências o arrastam para a correnteza da transitoriedade, para o redemoinho do nada."
A esperança cristã :
"O amor não tira ninguém da dor do tempo, antes toma sobre si a dor daquilo que é temporal. A esperança prontifica-se a carregar a "cruz do presente". Ela pode suportar a morte e esperar o inesperado. Ela pode dizer sim ao movimento e desejar a história, pois o seu Deus não é aquele que "nunca foi nem será jamais, por existir agora como um todo", mas o Deus "que vivifica os mortos e chama o que não é para que seja". O círculo de ferro do dogma da desesperança, ex nihilo nihil fit, é rompido quando se reconhece como Deus alguém que resusscita os mortos. Quando começamos a viver na fé e na esperança das possibilidades e promessas desse Deus, abre-se diante de nós toda a plenitude da vida enquanto vida histórica, a qual assim pode ser amada. Somente no horizonte desse Deus se torna possível um amor que é mais do que filía, amor ao existente e ao igual, mas agapé, amor para com o não-existente, amor para com o desigual. com o indigno, sem valor, perdido, transitório e morto; um amor que é capaz de tomar sobre si o que há de aniquilador na dor e na alienação de si mesmo, porque tira sua força da esperança na creatio ex nihilo. Ele não afasta o olhar do não-existente para dizer "não é nada", mas ele mesmo se torna a força mágica que tudo traz à existência. Pela esperança, o amor mede as possibilidades que lhe foram abertas na história. Pelo amor, a esperança tudo encaminha para as promessas de Deus.
"Será que tal esperança frustra o ser humano da felicidade do presente? Como poderia fazê-lo, se é, ela mesma, a felicidade do presente! Ela chama de bem-aventurados os pobres, aceita bondosamente os fatigados e sobrecarregados, os rebaixados e atormentados, os famintos e moribundos, porque conhece que para esses existe a parúsia do reino. A espera torna a vida agradável, pois, esperando, o ser humano pode aceitar todo o seu presente e encontrar prazer não só na alegria, mas também no sofrimento, e bem-estar não só na felicidade, mas também na dor. Dessa forma, a esperança atravessa felicidade e dor, porque é capaz de ver um futuro também para o que passa, o que morre e o que está morto, futuro que está nas promessas de Deus. Por isso, se poderá dizer que viver sem esperança é como não viver mais. Inferno é desesperança e não é em vão que na entrada do inferno de Dante está escrita a sentença: "Abandonem toda esperança os que entram aqui".
"Um "sim" ao presente, que não pode e não quer ver a mortalidade, é ilusão e escapatória, não superada nem mesmo pela afirmação da eternidade do instante que passa. Mas a esperança colocada no creator ex nihilo se torna felicidade no presente, quando pelo amor se mostra fiel a tudo, nada deixando ao nada, mas mostrando a tudo a abertura em direção ao possível, onde poderá viver e viverá. Essa felicidade é mutilada pela presunção e pelodesespero e totalmente arruinada pelo sonho do presente eterno."
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