Lula, Getúlio e o ciclo do ouro negro
Kennedy Alencar
No atacado, o governo Luiz Inácio Lula da Silva coleciona mais acertos do que erros. A responsabilidade na gestão econômica e a massificação de programas sociais deram ao presidente uma popularidade recorde na série histórica de pesquisas do Datafolha. O mensalão trouxe uma mancha que ficará nos livros de história.
No segundo mandato, Lula tomou uma decisão que parece acertada: rever o marco regulatório de exploração do petróleo em virtude da descoberta de reservas imensas na camada pré-sal. Em privado, Lula avalia que essa decisão equivalerá no futuro à criação da Petrobras por Getúlio Vargas.
Em conversas reservas, Lula e ministros dizem que o Brasil já viveu ciclos nos quais a abundância de um único produto poderia ter sido aproveitada para desenvolver o país mais do que ele se desenvolveu. O presidente fala do ciclo do pau-brasil, do ouro, da cana-de-açúcar.
Agora, Lula só pensa no ciclo do ouro negro. E diz que, no que depender dele, o Brasil aplicará essa riqueza em políticas públicas que façam o país dar um salto de qualidade na educação e no combate à miséria de forma definitiva.
Nesse contexto, o presidente sustenta que países que fizeram descobertas de petróleo de tal magnitude mudaram as regras de exploração. Afirma que o petróleo, como reza a Constituição, pertence à União enquanto está no subsolo. E que respeitará todos os contratos já firmados, como as áreas do pré-sal leiloadas no ano passado.
Lula acha que a criação de uma nova estatal dará aos governos de plantão maior flexibilidade para usar a riqueza do pré-sal em políticas públicas estratégicas. Como a Petrobras é uma estatal de capital misto (público e privado), há limitações para ingerência política na gestão da empresa.
O presidente da República indica o presidente da Petrobras. Mas não o controla como controla um ministro de Estado. A Petrobras tem acionistas privados que podem, muito bem, discordar do rumo que o governo quer dar à empresa. Por isso, Lula disse a aliados políticos que criará a nova estatal.
Mas o presidente tem desafios pelo frente. Precisará responder a muitas perguntas. De onde sairão os recursos para explorar o pré-sal? Bastará oferecer aos eventuais interessados parte do petróleo extraído? O Tesouro vai entrar com recursos diretos na exploração? Qual será o formato da nova estatal? A estrutura da nova estatal será mesmo enxuta? Ela será um departamento do Tesouro? Há risco de virar cabide de emprego? O dinheiro gasto pelo Petrobras na descoberta do pré-sal lhe dá direitos sobre áreas que ainda não foram a leilão?
Para evitar reclamações judiciais de acionistas privados da Petrobras, Lula tem dito que os contratos feitos serão respeitados. Ou seja, a Petrobras e seus sócios ficarão com as áreas do pré-sal já leiloadas.
Ao comprar uma ação de uma empresa privada, o investidor corre risco. A gestão da empresa pode valorizar ou não o capital investido. Ao comprar uma ação da Petrobras, o investidor também corre risco. Ele virou sócio de uma empresa comandada pelo Estado. Há risco de que uma decisão do Estado afete a empresa. É o que está acontecendo agora.
Lula argumenta que o interesse público está acima dos interesses da Petrobras.
Isso não significa que as ações da Petrobras vão virar pó. Pelo contrário. Deverão se valorizar. A empresa terá papel de destaque na extração do pré-sal por uma razão simples: ela tem a tecnologia para explorar reservas em tamanha profundidade --entre 5 mil e 7 mil metros. Prova disso: empresas privadas se associaram à Petrobras para disputar o direito de explorar poços do pré-sal já leiloados. A Petrobras sairá na frente na exploração desse ouro negro.
Obviamente, a oposição tem todo o direito de se opor à mudança do marco regulatório do petróleo. Vai cair numa armadilha política, num novo Bolsa Família, mas é direito dela dar murro em ponta de faca.
Lula está certo ao debater a alteração das regras de exploração --modificação que precisará ser aprovada pelo Congresso, diga-se de passagem.
Os Estados Unidos fazem guerras em defesa de seus interesses quando petróleo está em jogo. Um oleoduto da Ásia à Europa foi um dos fatores que pesaram para que ocorresse a recente guerra da Rússia contra a Geórgia. Por ora, Lula não foi tão longe. Não pensou em comprar um canhão.
O petista deseja criar uma nova estatal para administrar os poços do pré-sal que ainda não foram leiloados. Deseja usar o grosso desse dinheiro para "reparações históricas". Difícil ser contra uma decisão desse tipo.
E quanto ao sonho de se igualar ou de ser maior do que Getúlio Vargas? Bem, Lula tem todo o direito de sonhar. E de tomar as decisões que julgar acertadas para tentar concretizar o seu sonho.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/kennedyalencar/ult511u436648.shtml
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