Alemanha sai da crise e evidencia ‘duas europas’
Empresas do país anunciam ampliações de fábricas e contratações para reafirmar modelo exportador, mas pedaço grande do continente ainda patina
21 de janeiro de 2011 | 22h 30
Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo
GENEBRA - A BMW, Daimler e Audi anunciam medidas surpreendentes para muitos: vão ampliar suas fábricas para conseguir atender aos pedidos recordes. Dois anos depois do auge da pior crise econômica desde a era Hitler, a Alemanha dá sinais claros de que já deixou a crise no passado.
Depois de registrar seu maior crescimento do PIB desde a reunificação em 1991, ontem foi a vez da confiança do setor privado sofrer a maior alta já registrada. As exportações para países emergentes e a volta do consumo doméstico estão impulsionando a economia alemã. Mas também revelando um lado obscuro da Europa: a existência cada vez mais acentuada de um bloco em duas velocidades.
Pesquisa com 7 mil empresários feita pelo instituto de Munique Ifo constatou que a confiança do setor privado atingiu seu ponto mais alto em duas décadas, em uma demonstração de que a maior economia da Europa estaria saindo de sua crise. O aumento do consumo doméstico e principalmente as exportações são os motivos da retomada.
Em 2010, a economia alemã cresceu 3,6%, bem acima de todas as demais da UE. Para 2011, Berlim chegou a rever para cima a expansão de sua economia, com uma projeção de 2,3%. Nem a alta dos preços de commodities e de minérios parece ser um problema. O governo já acredita que atingirá a meta de redução do déficit antes do prazo estipulado pela UE, de 2013.
Para economistas alemães, a explicação para o bom desempenho é simples. O modelo é baseado nas exportações e, com a importação de emergentes em alta, a economia alemã conseguiu resistir. O desemprego ficou em 7% e permitiu que o consumo interno fosse fortalecido.
"A economia alemã começou o ano com grande vigor", disse o presidente da Ifo, Hans-Werner Sinn. O resultado fez a bolsa de Frankfurt subir ao nível mais alto em dois anos e meio. Em toda a Europa, as bolsas também reagiram de forma positiva.
Para o presidente do BC alemão, Axel Weber, a economia do país "está se beneficiando de forma considerável da recuperação da economia global, principalmente dos mercados asiáticos emergentes", afirmou. "A demanda externa está mais uma vez dando impulsos fundamentais", disse.
Na imprensa alemã, o noticiário é bem diferente do que se via há um ano, com demissões pela Europa e empresas fechando suas portas. A Audi, por exemplo, anunciou seu maior projeto de expansão de sua história há duas semanas. A empresa pretende contratar 1,2 mil trabalhadores e investir 11,6 bilhões em quatro anos. Não esconde: quer vender 1 milhão de carros apenas na China até 2014.
Velocidade. Mas se o crescimento da Alemanha está sendo visto como um alívio para muitos na Europa, a expansão também escancara uma realidade que a UE evita falar: a existência de duas europas. Se a Alemanha cresce, países como Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e até Itália continuam sofrendo.
Só a taxa de desemprego na Espanha, por exemplo, é três vezes superior à da Alemanha.
Na zona do euro, a projeção é de que o crescimento das economias em 2011 será de apenas 1,5%, média já elevada graças ao desempenho alemão.
A diferença é tão grande que comentaristas europeus chegam a alertar os alemães de evitar comemorar a recuperação para não deixar os demais parceiros do bloco ainda mais irritados. Berlim chegou a ser chamado de "arrogante" nesta semana por eurodeputados.
Para governos de países que enfrentam crises profundas, essa disparidade entre a Alemanha exportadora e suas economias cada vez menos competitivas é o que está ameaçando a Europa. Por anos, o saldo positivo na balança comercial alemã foi garantida graças ao consumo de espanhóis, gregos e irlandeses, hoje altamente endividados.
Em entrevista à revista alemã Spiegle, o economista Nouriel Roubini também alertou que a estratégia de Berlim de crescimento "não funcionará no médio prazo". "Esse modelo exportador não funcionará nem para a Alemanha nem para a Europa", afirmou o economista, que acusa Berlim de ter aprofundado a crise de seus vizinhos.
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