Com receitas em queda, Telefônica vende até telefone porta a porta
Enquanto tenta assumir o controle da Vivo, empresa busca alternativas para estancar as perdas no faturamento de telefonia fixa
17 de maio de 2010 | 0h 00
Melina Costa - O Estado de S.Paulo
Os moradores do bairro Piratininga, na periferia de Itaquaquecetuba (Grande São Paulo), estão acostumados a abrir a porta de casa para atender ambulantes. É comum encontrar, nas ruas vazias da região, gente oferecendo de verduras a batons. Na manhã do último dia 12, um novo grupo de vendedores chamou a atenção da vizinhança.
- Dá licença. A senhora já tem linha de telefone?, repetia o representante da companhia de telecomunicações Telefônica cada vez que batia palmas e conseguia atrair uma dona de casa para o portão.
O estilo de vendas corpo a corpo foi adotado no fim do ano passado. Hoje, há 500 vendedores na cidade de São Paulo e no interior do Estado. O número deve dobrar até o fim de 2010 e subir para 2 mil no ano quem vem. Essa é uma tentativa de convencer a baixa renda a instalar o telefone fixo em casa pela primeira vez - e, assim, estancar a queda nos resultados de um negócio que representa 70% do faturamento da companhia.
O esforço extra de vendas acontece em meio a um momento especialmente delicado. Há duas semanas, o grupo espanhol Telefônica tenta, até agora sem sucesso, adquirir o controle da operadora de celular Vivo, em que já tem uma participação. Em um cenário de vendas em queda, a fusão entre as operações de telefonia fixa e móvel poderia gerar uma economia de custos de 2,8 bilhões e ainda otimizar a venda de produtos da companhia.
No ano passado, a Telefônica registrou uma queda de 1,6% na receita com a assinatura de telefones fixos. No caso da habilitação de novas linhas, o faturamento bruto caiu 4,8%. A venda de minutos que excedem os planos dos clientes diminuiu em 11,7%. Esse movimento, junto com as panes apresentadas pelo serviço de banda larga Speedy e a interrupção na comercialização desse serviço, levou à queda de 1% nas vendas líquidas da companhia como um todo em 2009. Neste ano, a telefonia fixa continuou a encolher. Ao todo, a receita do segmento caiu 5,5% no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Os dados da Telefônica refletem a situação do mercado em geral. No Brasil, o número de linhas fixas em uso cresceu 6,3% de 2003 para cá. No mesmo período, os celulares explodiram: o aumento foi de 275%. "Foram as operadoras autorizadas, como Embratel e GVT, que conseguiram ampliar a base de telefones fixos do País. Essas empresas trouxeram novidades. Já as concessionárias tradicionais apresentaram perda de linhas", diz Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco.
A impopularidade dos telefones fixos é um problema global. Ao contrário do Brasil, que ainda mostra um crescimento tímido, países ricos como Estados Unidos e Reino Unido apresentam decréscimo de linhas desde meados da década. Até mesmo em países como China e Índia, onde boa parte da população nunca teve um aparelho em casa, o número de linhas cai desde 2006. Na prática, os consumidores emergentes pularam essa fase e adotaram diretamente o celular.
Para os executivos da Telefônica, porém, o Brasil pode ter um destino diferente. "Muito se fala sobre a morte do telefone fixo. Mas estamos aqui para mostrar o contrário. No Estado de São Paulo, há 3 milhões de pessoas sem linhas fixas. Imagine se a gente pegar um pedacinho disso? ", diz Mariano de Beer, diretor-geral da Telefônica. Segundo a empresa, o número de clientes na telefonia fixa aumentou de março até agora, o que reverteu uma trajetória de cinco anos em queda.
A venda porta a porta é uma das principais explicações para essa melhora, segundo o executivo. Mas não se trata de um trabalho simples (afinal, cosméticos e alimentos chamam a atenção dos consumidores bem mais facilmente). Em média, cada representante da Telefônica bate em 60 portas por dia e faz negócio com, no máximo, 10 clientes. A maioria dos consumidores já tem celular pré-pago. Para convencê-los, os vendedores argumentam que as ligações de telefone fixo são seis vezes mais baratas que as do celular pré-pago (a empresa chegou a esse número comparando ligações locais entre fixo e fixo e entre celular pré-pago e fixo).
A Telefônica também tenta seduzir os clientes oferecendo um portfólio cada vez mais amplo, com planos flexíveis, aos moldes das operadoras de celular. Hoje, a empresa tem mais de 20 pacotes diferentes, que são explicados aos poucos para os consumidores da baixa renda. Nesta semana, a companhia deve lançar mais um. No plano flex, o cliente não paga assinatura e o valor da mensalidade funciona como crédito a ser gasto com qualquer tipo de ligação. "Muitas pessoas compravam o pré-pago porque não conseguiam pagar a assinatura de telefonia fixa. A gente não dava outra opção. Agora estamos dando", diz de Beer.
Dúvidas. A grande pergunta, agora, é se o ganho de usuários vai se refletir em ganho de receita. Afinal, os consumidores que entram no sistema - provenientes da baixa renda - pagam menos por seus pacotes que os clientes tradicionais. "Não esperamos taxas de crescimento olímpico, mas algo modesto. Na pior das hipóteses, queremos a manutenção da base", afirma o presidente do grupo Telefônica, Antonio Carlos Valente. A companhia acredita que o reflexo do trabalho de porta a porta deve aparecer nas vendas da companhia no segundo trimestre.
O mercado, porém, é menos otimista. Três analistas da área de telecomunicações consultados pelo Estado esperam uma redução na receita de telefonia fixa ao final de 2010. "Essa tendência de queda é estrutural. As pessoas vão continuar a usar mais o celular, já que as operadoras oferecem planos cada vez mais agressivos", diz o analista Andrew Campbell, do banco Credit Suisse. "Espera-se de uma empresa como a Telefônica que o crescimento de banda larga e do serviço de TV por assinatura compense. Mas não foi o que aconteceu no ano passado e nem no primeiro trimestre."
Nos três primeiros meses do ano, a companhia apresentou uma queda de 1,7% em sua receita líquida. O resultado se deu apesar do crescimento do Speedy, que acrescentou 163 mil clientes à sua base em uma taxa de expansão inédita. "A Telefônica saiu da inércia em banda larga. E esse é um movimento a ser aplaudido", diz Valder Nogueira, analista do Santander.
O problema é que o crescimento se deu com a queda na rentabilidade diante de investimentos que a empresa precisou fazer para melhorar a qualidade de seu serviço - e sua imagem. Todas as vendas passaram a ser auditadas, por exemplo, para garantir que o cliente entendeu o que comprou e recebeu o que pediu.
Está exatamente aí o grande desafio da empresa daqui para frente. De um lado, diminuir o impacto negativo de um negócio em xeque. De outro, aumentar os ganhos com o promissor braço de banda larga, que ainda sofre os efeitos de uma crise recente. Isso tudo ao mesmo tempo em que a Telefônica tenta costurar um dos acordos mais importantes de sua trajetória no País- e que pode deixar sua tarefa um pouco menos pesada.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100517/not_imp552689,0.php
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