Se não foram feitas ontem, as mudanças não ocorrerão amanhã ou os limites do governo Obama
Corival Alves do Carmo
Milton Friedman intitulou o livro onde analisou os primeiros anos do governo Ronald Reagan de “Tirania do Status Quo”. E duas teses que permeiam o livro servem de ponto de partida para analisar as possibilidades do governo Barack Obama.
A primeira diz respeito ao tempo para mudança:
“um novo governo dispõe de seis a nove meses a fim de introduzir grandes mudanças. Se não aproveitar a oportunidade e agir decisivamente nesse período, não terá outra igual. As mudanças adicionais virão apenas lentamente, ou não virão em absoluto, e contra-ataques serão desfechados contra as mudanças iniciais. As forças políticas temporariamente derrotadas reagrupam suas hostes e tendem a mobilizar todos os que foram prejudicados pelas mudanças, enquanto os proponentes destas tendem a relaxar depois das primeiras vitórias.” (FRIEDMAN; FRIEDMAN, 1983, pp.11-12).
E acrescenta:
“Desta generalização decorre um corolário: o candidato a chefe de Estado que espera deixar uma marca tem que fazer algo mais do que ser eleito: impõe-se que tenha um programa de ação detalhado, bem definido, antes da eleição. Se o novo chefe de Estado esperar até depois da eleição a fim de converter uma posição política geral em programa detalhado, este só ficará pronto tarde demais para ser adotado.” (FRIEDMAN; FRIEDMAN, 1983, p.12).
A segunda diz respeito à dificuldade de implementar mudanças nos EUA:
“Tem sido com freqüência notado que a estrutura do governo nos Estados Unidos torna muito difícil introduzir mudanças, exceto em ocasiões de grandes crises. A Grande Depressão, culminando no feriado bancário de março de 1933, foi uma dessas crises. Em tempos de guerra, são possíveis iniciativas governamentais semelhantes. Em circunstâncias ordinárias, porém, a complexa divisão de poder introduzida em nossa Constituição pelos seus elaboradores – a divisão entre os governos federal e estadual, o equilíbrio entre o legislativo, o executivo, e o judiciário, e entre as duas casas do Congresso – tudo isto torna difícil e demorado o processo de introdução de grandes mudanças.” (FRIEDMAN; FRIEDMAN, 1983, pp.16-17).
Ou seja, uma nova administração se quiser implementar um pacote de mudanças deve assumir o governo sabendo o que irá fazer, deve introduzir o pacote imediatamente e ainda assim as novidades só tendem a ser facilmente assimiladas em situações de crise.
Barack Obama assume a presidência num contexto de crise generalizada. Portanto, a crise abre uma janela de oportunidade para a mudança. Do ponto de vista econômico nenhuma outra crise nos EUA desde a enfrentada por Franklin D. Roosevelt trouxe tantas possibilidades de mudanças econômicas. Internacionalmente, a crise também apresenta a oportunidade de reformas nas instituições econômicas internacionais. Entretanto, a tirania do status quo irá se manifestar internamente apesar do controle dos Democratas sobre a Câmara e o Senado. E internacionalmente, tanto pela resistência dos EUA de abrirem mão de parcelas de poder no sistema internacional, quanto de seus parceiros econômicos em assumir responsabilidades pela estabilidade econômica internacional.
Toda campanha do candidato Obama foi baseada na idéia de mudança. Não apenas uma nova política governamental como também novas formas de governar, de fazer política. Por outro lado, tudo indica que não haja um detalhado plano de governo no bolso do colete do novo presidente para ser implementado imediatamente. Talvez até por isso entre os nomes anunciados para a equipe de Obama haja vários que pertenceram ao governo Clinton ou mesmo com atuação no governo Bush, como no caso do secretário do tesouro, Timothy Geithner. Portanto, é possível afirmar que a crise seja um impulso muito mais eficaz para a mudança do que o programa político de Obama.
A crise norte-americana expressa as contradições entre a crescente financeirização da riqueza, que faz com que cada vez mais a riqueza seja composta por papéis cuja expansão e valorização é praticamente ilimitada. Ou melhor, cujo limite é a confiança no sistema e na capacidade de se converter os papéis em moeda, é preciso confiar na liquidez dos papéis. Qualquer sinal de insolvência levanta desconfianças sobre a sustentabilidade do processo de acumulação financeira.
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