São Paulo, domingo, 07 de março de 2010
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
O momento Minsky
Quando a maré sobe, não há prudência nem conselho capazes de resistir à liberação das forças da ambição
O ECONOMISTA norte-americano Hyman Minsky, outrora obscuro entre seus colegas da "corrente principal", virou moda nos Estados Unidos. Depois da crise, um coro de carpideiras entoa o cantochão do "momento Minsky" para lamentar a vida e a morte da finança desregulamentada.
Minsky construiu uma hipótese "keynesiana" sobre a formação de preços de ativos numa economia em que prevalece a moeda de crédito criada pelos bancos. Enquanto a teoria convencional cuida de examinar as condições de equilíbrio no intercâmbio de mercadorias, Minsky coloca o crédito e a finança no centro da economia capitalista. (O modelo da feira livre versus o "paradigma de Wall Street".) Para ele, a concorrência em busca da maximização do ganho privado determina resultados que a ação dos indivíduos racionais não pode antecipar. As decisões privadas são tomadas em condições de incerteza radical e, por isso, estão sempre sujeitas à subavaliação do risco e à emergência de comportamentos coletivos de euforia que conduzem à fragilidade financeira e a crises de liquidez e de pagamentos. Minsky descreve as etapas do ciclo crédito e formação de preços dos ativos em que as interações subjetivas entre os participantes do mercado não raro provocam a má precificação de ativos e distorções na alocação de recursos.
De nada adianta iludir-se com o conhecimento do passado ou com as toadas do presente, projetando essas tendências para o futuro. Tampouco é possível atribuir probabilidades às trajetórias prováveis da economia. O mundo dos homens e de seus negócios não está sujeito a um comportamento probabilístico. Para vencer esse estado desconfortável de incerteza irredutível, os controladores da riqueza e do crédito têm de lançar mão de informações, avaliações, crenças e regras costumeiras que julgam sustentar as decisões dos demais. Esse processo -o de incorporar nas próprias avaliações os julgamentos dos seus pares, a despeito de ancorado na mais profunda ignorância- vai constituindo uma espécie de "consenso do mercado" -a opinião da comunidade de negócios em cada momento.
Nos períodos de "normalidade", as almas torturadas pela sede insaciável de riqueza flutuam no espaço entre os dois extremos fatais, o zênite da euforia compartilhada e o nadir do medo contagioso. Seu conforto momentâneo é sustentado por arranjos sociais e formas institucionais que compõem um determinado "estado de convenções". Nesse ambiente cognitivo e psicológico, o presente parece confirmar o passado e indicar os critérios para o futuro.
As crises irrompem no momento em que a cadeia de certezas está no auge. Nesse momento de agruras, torna-se evidente que a acumulação de bons resultados precipitou uma forte deterioração da percepção do risco e espicaçou a ambição do conjunto dos investidores. Quando a maré sobe, não há prudência nem conselho capazes de resistir à liberação completa das forças da ambição. Estas se apresentam, aliás, como oniscientes e onipotentes, sólidas e inexpugnáveis. Até o momento em que se desmancham no ar.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 67, é professor titular de economia da Universidade Estadual de Campinas. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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