"Deu-se, entretanto, uma espécie de disparate [...]: uma pequena elite intelectual separou-se noravelmente do grosso da população, e, ao passo que esta permanece quase inteiramente inculta, aquela, sendo em especial dotada da faculdade de aprender e imitar, atirou-se a copiar na política e nas lestras quanta coisa foi encontrando no Velho Mundo, e chegamos hoje ao ponto de termos uma literatura e uma política exóticas, que vivem e procriam em uma estufa, sem relações com o ambiente a temperatura exterior. É este o mal de nossa habilidade ilusória e falha de mestiços e meridionais, apaixonados, fantasistas, capazes de imitar, porém orgaqnizamente impróprios para criar, para inventar para produzir coisa nossa e que saia do fundo imediato ou longíquo de nossa vida e de nossa história.
"Durante os tempos coloniais, a hábil política de segregação, afastando-nos dos estrangeiros, manteve-nos um certo espírito de coesão. Por isso tivemos Basília, Durão, Gonzaga, Alvarenga Peizoto, Claudio e Silva Alvarenga, que se moveram num meio de idéias puramente portuguesas e brasileiras.
"Com o primeiro imperador e a Regência, a pequena fresta (aberta) no muro do nosso isolamento por D João VI alargou-se, e começamos a copiar o romantismo político e literário dos franceses.
"Macaqueamos a carta de 1814, transplantamos para cá as fantasias de Benjamin Constant, arremedamos o parlamentarismo e a política constitucional do autor de Adolphe, de mistura com a poesia e os sonhos do autor de René e Atala.
"O povo, este continua a ser analfabeto.
"O segundo reinado, com sua política vacilante, incerta, incapaz, durante cinqüenta anos, escancarou todas as portas, e fê-lo unicamente, sem discrímen, sem critério. A imitação, a macaqueação de tudo, modas, costumes, leis, códigos, versos, dramas, romances, foi a regra geral.
"A comunicação direta para o velho continente pelos paquetes de linha regular engrossou a corrente da imitação, da cópia servil.
[...]
"E eis porque, como cópia, como arremedo, como pastiche para inglês ver, não há povo que tenha melhor constituição no papel, [...] tudo melhor... no papel. A realidade é horrível!"
Silvio Romero apud Roberto Schwarz. Que Horas são?.
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