O negócio da guerra
Alex Fernández
A chamada “guerra contra o terrorismo internacional” implementada pela administração de George W. Bush transformou o Afeganistão e o Iraque em laboratórios da guerra moderna de ocupação, colocando em destaque o fenômeno da privatização da guerra. Esta foi colocada em evidência pela participação de empresários privados na gestão bélica direta ou nas chamadas tarefas de reconstrução nas zonas em conflito. Exemplo recente deste último é a situação da empresa de segurança norte-americana Blackwater no Iraque e das multinacionais Total e Chevron na crise recente da Birmânia.
Segundo diversas estimativas, as guerras do Iraque e do Afeganistão alcançaram até o momento um custo Total de US$ 408 bilhões ou, o que é o mesmo, US$ 2.053 dólares por segundo. Isso oferece às empresas não apenas os benefícios do butim dos triunfadores, mas também um campo de investimento e rentabilidade financeira não conhecido no passado bélico dos Estados Unidos. Basta recordar que as guerras anteriores foram muito menos custosas; a Guerra do Golfo, por exemplo, alcançou um custo estimado de apenas US$ 76 bilhões. Para muitos analistas a participação empresarial privada nas guerras norte-americanas se tornou imprescindível na medida em que elas complementam tropas mantidas ali sem condições e a custos políticos consideráveis.
Empresas de segurança ganham terreno
No caso do Iraque, a participação das entidades privadas de segurança permitiu a Washington eludir limitações impostas pelo Congresso.
Em relação ao Afeganistão, os êxitos militares recentes dos talibãs colocaram em discussão a estratégia norte-americana de estabilização aplicada pela OTAN e obrigaram o próprio presidente Hamid Karzai a convidá-los a participar nas tarefas do governo. Frente a esta situação, as empresas de segurança ganharam terreno e substituíram de maneira importante as tarefas dedicadas à reconstrução. Por outra parte, o crescimento espetacular da chamada “economia criminal” (tráfico de drogas) acabou por fortalecer esta tendência. No momento, o Afeganistão é o primeiro exportador mundial de heroína. Além disso, segundo recentes declarações do diretor da Divisão Antidrogas das Nações Unidas em Teerã, Roberto Arbitrio, em 2006 o Afeganistão produziu 6.100 toneladas de ópio cru, se transformando no primeiro produtor e exportador mundial. Na história mundial da droga, somente a China durante o século XIX conseguiu uma produção maior que a do Afeganistão “ liberado do terrorismo internacional”.
Violência e fins de lucro
A guerra do Iraque foi propícia para a participação da área privada em ações militares não regulares, dando lugar ao que se conheceu como a privatização do conflito. Apesar da participação de mercenários nas ações bélicas norte-americanas não ser nova, a sua transformação em empresas gestoras da violência ofensiva ou defensiva com fins de lucro é. Isso criou não só dificuldades jurídicas importantes no direito internacional, como também foi fonte de conflito com o próprio regime iraquiano que, frente ao aumento de vítimas civis, deve assumir uma atitude de rejeição e protesto. Este último pode ser ilustrado com a ameaça de expulsão do país formulada pelo governo iraquiano contra a empresa privada de segurança Blackwater, como resultado de nove vítimas civis provocadas por um obscuro incidente em meados de setembro.
O governo iraquiano não parece contar com capacidade política e jurídica para desalojar de seu território empresas como a Blackwater. Elas constituíram um pilar fundamental na estratégia de ocupação do Iraque e o status jurídico de seus membros é suficientemente vago para resistir a ações legais contra eles.
As entidades privadas norte-americanas que operam nesse país ocupam uns 137 mil civis que assumem os serviços que requerem as ações de 160 mil soldados enviados por Washington. Suas tarefas vão desde o trabalho de tradutores até o combate direto. Os trabalhos militares dos contratados ganharam popularidade e foram estendidas a sul-africanos, latino-americanos e asiáticos, que em muitos casos dividem um obscuro passado político militar por sua vinculação com o terrorismo de Estado implementado por seus países durante a Guerra Fria.
Entre os participantes sul-africanos alcançaram notoriedade os dogs of war , conhecidos desde finais dos anos 70 por sua participação como mercenários na quase Totalidade de golpes de Estado ocorridos na África, e tristemente célebres por participar em guerras civis do Congo, Moçambique, Serra Leoa e Zimbábue. Algo similar representam os gurkas, procedentes do exército inglês. Segundo estimativas do Pentágono e do ministério de relações exteriores norte-americano, as empresas -como Blackwater- que participam da ocupação militar do Iraque receberam desde 2004 contratos acima de US$ 1 bilhão para proteger militarmente os representantes diplomáticos, entre eles o próprio embaixador norte-americano Ryan Crocker.
O status jurídico dos contratos dos mercenários escapa à regulamentação dos direitos de Guerra e Penal, e oferece possibilidades de atividade militar fora de todo controle. Esta situação provém da chamada Order 17 promulgada por Paul Bremen –quando desempenhou o papel de administrador norte-americano no Iraque- e que regulamentou a partir de 2003 as características da ocupação norte-americana outorgando imunidade e impunidade às ações dos entes privados.
Blackwater não é uma das maiores empresas no Iraque, mas é a com vínculos mais estreitos com o governo de Bush. Por isso foi designada por seus críticos como a Guarda Republicana , em associação com o nome das tropas de elite de Sadam Hussein. No passado, muitos de seus dirigentes faziam parte da CIA e do Pentágono; seu pessoal de batalha provém em muitos casos do exército norte-americano e de seus diversos serviços de segurança.
Cabe dizer que a popularidade ganhada pelos mercenários no Iraque provém em grande medida das dificuldades para as tropas regulares e a popularidade dos mercenários não norte-americanos provém da discrição que gera seu desaparecimento em combate.
Atividade apesar das sanções
A violência da junta militar da Birmânia (ou União de Myanmar ) contra os monges budistas e a população civil gerou uma onda de solidariedade internacional. Questionou-se mais ainda a prolongada colaboração com a política econômica da ditadura por parte de transnacionais de energia como a francesa Total (com 95 mil trabalhadores e presença em 130 países) e a norte-americana Chevron (com 62 mil trabalhadores e presença em 180 países).
O próprio presidente Nicolas Sarkozy, acompanhado da teatralidade que lhe é característica, convidou a multinacional francesa no final de setembro a não aumentar seus investimentos na Birmânia e -em um gesto similar ao que fez Bush- se somou às críticas contra a política estratégica de Chevron na Birmânia. Ambas empresas participam da exploração do gás de Yadana, no setor costeiro da Birmânia, e dividem com a Tailândia a propriedade de um gasoduto (31% é da Total, e 28 %, da Chevron) que abastece dito país. A rentabilidade de tais investimentos está calculada em US$ 2 bilhões durante quarenta anos.
Organizações internacionais de direitos humanos –como as norte-americanas Earth Right Internacional e Human Right Watch – denunciaram que tanto a Chevron como a Total significaram não só uma fonte de rendas econômicas ilegais da burocracia militar birmana, como também contribuíram de maneira significativa com a estabilidade econômica do regime ditatorial.
A presença da Chevron na Birmânia não é recente, mas está vinculada à venda das jazidas de gás de Yadana e do gasoduto em direção à Tailândia pertencentes à empresa californiana de energia UNOCAL. Chevron deveu competir com a estatal chinesa China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) que estava disposta a pagar um preço muito maior. A indústria norte-americana só conseguiu sua propriedade como resultado das manipulações econômicas, jurídicas e políticas protecionistas que o governo de Bush implementou para impedir a compra por parte da empresa chinesa.
De todas as maneiras, a reputação da Chevron em matéria de direitos humanos na Birmânia não é superior à de sua antecessora UNOCAL.
Esta última teria sido beneficiada pelo desalojamento, deslocamentos obrigados, assassinatos e trabalhos forçados que a população autóctone nos territórios onde se encontram as jazidas de gás e o gasoduto destinado a Tailândia foi submetida. Desde 1996, tanto a Total como a Chevron enfrentaram processos judiciais exigidos por familiares das vítimas desses acontecimentos e em 2004 deveram acordar compensações econômicas. A permanência e os problemas da Chevron na Birmânia continuaram sem mudanças fundamentais inclusive depois de que os Estados Unidos decretaram –pelo menos no papel– sanções econômicas contra a junta militar muito mais radicais que as da União Européia.
Nas escassas declarações oficiais formuladas por dirigentes da Total ou da Chevron, se argumentou que a presença destas empresas na Birmânia se ajusta ao cumprimento estrito da normativa internacional de direitos humanos e às disposições jurídicas de seus respectivos países, que autorizam ou proíbem relações econômicas em zonas em conflito. Executivos da Total que representam a empresa na Birmânia e no Sudão insistem em que se cumpram duas das condições essenciais que as multinacionais francesas devem satisfazer em zonas conflitivas: os investimentos devem respeitar as disposições exigidas pelo Estado francês e não podem contradizer disposições da União Européia nem das Nações Unidas.
Por outro lado, a empresa multinacional deve trabalhar em virtude da aplicação de seu próprio código de conduta referido a direitos humanos, proibição de trabalho forçado, aplicação rigorosa de políticas ambientais e relações laborais compatíveis com as disposições internacionais. Para a Total a situação da Birmânia não tem os extremos do Sudão, onde deveu abandonar o país como resultado da impossibilidade de satisfazer seus próprios códigos de conduta.
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