Para reflexão: Homilia S. João Crisóstomo (século IV)

Imaginemos, se me permitis, duas cidades: uma só de ricos, a outra só de pobres. Na dos ricos não deve haver nenhum pobre, e na dos pobres, igualmente, não haverá nenhum rico, e vejamos qual das duas se poderá bastar melhor. (...) Na cidade dos ricos não haverá artesão, nem arquiteto, nem ferreiro, nem sapateiro, nem padeiro, nem agricultor, nem caldereiro, nem espécie alguma de operário. (...) Como é então que esta cidade poderá subsistir? (...) Donde se conclui que uma cidade sem pobres não pode subsistir.
Vejamos agora a cidade dos pobres. (...) Se é preciso construir, não há necessidade de ouro, nem de prata, nem pérolas, mas do trabalho das mãos, e não de quaisquer mãos, mas de mãos calejadas e de dedos endurecidos, e de muito esforço, além de madeira e pedras. Se o problema é roupa, outra vez não há necessidade de ouro nem de prata, mas ainda uma vez de mãos, da habilidade e do trabalho das mulheres. Se o negócio é cultivar e cavar a terra, há necessidade de quem, de ricos ou de pobres? De pobres, evidentemente! (...) Mas se as riquezas, diríeis, não são úteis, por que então Deus no-las deu? E quem vos disse que foi Deus que vos deu as riquezas? (...). Sabemos que é por meio das rapinas, da violação dos túmulos, das fraudes e de outros crimes do mesmo gênero que se acumulam freqüentemente imensas riquezas e que aqueles que as possuem não merecem sequer viver.


Que curioso: a isso Marx chamou de acumulação primitiva do capital. E como exaustivamente explicado por Fernando Novais, é primitiva porque inicial, e porque utiliza de métodos primitivos, a violência especialmente.