São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2010
Por prestígio, Brasil ajuda países pobres
Governo brasileiro dissemina doações, ações sociais e transferências para nº cada vez mais amplo de parceiros
Objetivo desse "soft power" é conquistar simpatias, influência política e votos em órgãos internacionais
Pedro Sá da Bandeira - 16.out.2008/Efe
Lula ao lado do presidente de Moçambique, Armando Guebuza, em Maputo; país é um dos recipientes da ajuda brasileira
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
JOHANNA NUBLAT
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Enquanto os Estados Unidos aumentam em mais US$ 59 bilhões o orçamento para as guerras no Iraque e no Afeganistão, o Brasil investe no chamado "soft power", disseminando doações, ações sociais, treinamento de pessoal e transferência de tecnologia para um número cada vez maior de países pobres, ou nem tanto, da América Latina, África e Ásia.
O objetivo é conquistar simpatias que convertam em influência política e votos, não apenas para obter a sonhada vaga no Conselho Permanente de Segurança das Nações Unidas, mas também para vencer disputas em organismos e instituições internacionais.
O Brasil anda mesmo precisando de votos, depois das derrotas para a OMC (Organização Mundial do Comércio), para o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e para a Unesco (o órgão da ONU para educação). A última foi na eleição do diretor-executivo do Escritório da ONU para o Combate ao Crime e Drogas.
O "soft power" está acelerado. Na sexta-feira passada, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava no Paraguai, visitando linhas de transmissão de energia que o Brasil financia no país, o Itamaraty divulgava em Brasília a liberação de US$ 500 mil para refugiados colombianos no Equador.
O maior alvo do "soft power" é o Haiti, o país mais pobre das Américas e que acaba de sofrer um terremoto devastador.
O Brasil detém o comando militar das tropas de paz da ONU no país, o governo destinou US$ 15 milhões logo após a tragédia, e Lula enviou proposta ao Congresso para um adicional de R$ 375 milhões.
Além disso, o Brasil atua na reativação da produção agrícola no país, fez contribuição voluntária de US$ 130 mil via Programa Mundial de Alimentos, enviou mais US$ 50 mil para a embaixada em Porto Príncipe distribuir água e comida e doou US$ 55 milhões para o Fundo de Reconstrução do Haiti.
Há duas coordenações desse "saco de bondades", ambas do Itamaraty. Uma é a ABC (Agência Brasileira de Cooperação), e a outra, a CGFome (Coordenação Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome).
O orçamento da ABC foi de R$ 18,7 milhões em 2006 para R$ 52,6 milhões neste ano, enquanto a equipe pulou de 90 para 160 funcionários de 2009 para 2010. São 56 países assistidos, e o valor é considerado pequeno. Se computasse a hora técnica (remuneração dos profissionais) seria cinco vezes maior, estima o diretor da agência, ministro Marco Farani.
A fila dos que recebem ajuda é encabeçada por Moçambique,Timor Leste, Guiné Bissau, Cabo Verde, Paraguai, Guatemala, São Tomé e Príncipe, Angola, Uruguai e Cuba. E inclui Autoridade Nacional Palestina, Níger, Burundi, Uganda, Serra Leoa e Nigéria, entre outros.
FILOSOFIA DA AJUDA
A filosofia da ajuda, como diz, é fazer doações só em casos de emergência, privilegiando "sustentabilidade". Exemplo: o projeto "Cotton 4", de US$ 4 milhões, para desenvolver a indústria de algodão em Mali, Chade, Benin e Burkina Fasso.
Já o CGFome tenta exportar experiências brasileiras (como destinar alimentos da agricultura familiar para escolas) inclusive para o Chile, que não é pobre.
Mas são finalidades variadas e, só em junho deste ano, foram R$ 6 milhões para ajuda, entre outras, às vítimas dos episódios recentes de violência no Quirguistão, a reassentamentos no Sri Lanka e à recuperação do inverno rigoroso na Mongólia.
O coordenador do grupo, ministro Milton Rondó Filho, disse que o orçamento passou de R$ 2,4 milhões em 2007 para cerca de R$ 50 milhões neste ano, segundo ele, para "reforçar a solidariedade e os gestos políticos brasileiros no mundo".
Segundo o embaixador Piragibe Tarragô, subsecretário do Itamaraty para África, respalda a política Sul-Sul, de aproximação com países pobres e emergentes. "O Brasil quer ser reconhecido e ter influência."
A investida já foi tema de reportagem da revista britânica "The Economist", mas com um alerta: "O país ainda tem grandes bolsões de pobreza, e o envio de dinheiro para o estrangeiro pode ser controverso".
O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), concorda: "É uma ação tortuosa. Se você fala em Haiti e países muito pobres, é correto. Mas a busca pelo protagonismo fez com que o Brasil exagerasse nas suas relações e na sua bondade", disse.
A oposição tenta impedir a revisão do Tratado de Itaipu, alegando que o aumento do preço da energia excedente que o Paraguai vende ao Brasil pode custar R$ 5,5 bilhões. "Vamos resistir", diz.
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